sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Autismo: representatividade importa

Em 2016 abordei em um texto o fato de, em eventos e seminários sobre autismo, muitas vezes haver a preocupação em reunir especialistas e familiares dos indivíduos com TEA, mas estes mesmos não serem escutados. Felizmente venho acompanhando uma mudança nesse cenário e a tendência cada vez maior de as pessoas com autismo participarem de movimentos que dizem respeito a elas como protagonistas do processo. Afinal, este é o lugar que, de fato, devem ocupar.


Se, em alguns momentos, um relato pessoal pode não substituir (em questões técnicas) uma explanação de um profissional sobre algo referente ao transtorno, não podemos perder de vista que a recíproca também é verdadeira e cada um tem propriedade para falar apenas do lugar que ocupa. Os profissionais podem falar do lugar de profissionais, os pais podem falar apenas do lugar de pais, mas só um sujeito com autismo pode falar de si, de sua realidade, de como é estar em sua pele e em seus sapatos. Os demais podem apenas especular como seria, mas não sabem como é.  A pessoa só possui propriedade de falar de mais de um desses lugares, se de fato ocupá-los, o que, felizmente, também é possível. Afinal, o sujeito pode, por exemplo, ocupar os três lugares supramencionados (sujeito com TEA, pai de indivíduo com  TEA e profissional da área) simultaneamente e isso é menos raro do que imaginamos. Na medida em que a visão estereotipada e preconceituosa que ainda permanece em nossa sociedade sobre “como seria uma pessoa com autismo” ou “ até onde ela poderia chegar” for repensada, tal ideia será reconhecida com menos resistência.

Em meu caso, quando me atrevo a escrever sobre o assunto, é totalmente ciente de minhas limitações e com ciência que posso relatar apenas uma perspectiva de mãe (nem como terapeuta me atrevo a falar, já que minha atuação profissional como psicóloga é em outra área), e que isso nunca irá substituir as próprias impressões e percepções que, daqui a um tempo, meu filho irá elaborar e transmitir, por si mesmo.  Quando uma mãe ou um profissional que não estão no espectro (reforçando que uma coisa não exclui a outra), tentam pensar em “como seria” viver com tais questões e o que poderia ser feito para agregar qualidade de vida a quem convive com elas, isso jamais poderia substituir a escuta sobre estratégias desenvolvidas sobre quem de fato vive a situação e, consequentemente, possui mais propriedade no que se refere a ela.

Com isso, de maneira alguma espero que alguém incorpore algum tipo de “porta voz” da causa, pois as experiências são realmente diversas, o espectro é amplo e não podemos falar em autismo e sim em “autismos”. Cada um pode se expressar apenas por si, mas devem se fazer ouvir sempre que possível e contribuir para fortalecer uns aos outros enquanto grupo.

Essa lógica de empoderamento é a que norteia o famoso lema “Nada sobre nós, sem nós”, muito usado por pessoas com diversas deficiências e que diz muito sobre esta luta/busca por visibilidade, representatividade e participação plena, no sentido de que, com relação a tudo o que diga respeito a essas pessoas (inclusive construção de políticas públicas), elas deverão participar ativamente como sujeitos do processo, e não objetos. É muito diferente algo ser pensado e elaborado “para” alguém e “por” ou “ com” alguém.

Segue neste link um artigo sobre o tema, de autoria de Romeu Kazumi Sassaki, cuja leitura é extremamente rica e esclarecedora e traz reflexões como essa: “ ‘Nada sobre nós, sem nós’ expressa a convicção das pessoas com deficiência de que elas sabem o que é melhor para elas”.

Érika Andrade, mãe do Bernardo, Psicóloga e administradora do instagram @maternidadeazul.
Matéria extraída do criancaesaude.com.br

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