sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Campanha busca a inclusão de crianças com deficiência

Campanha nas redes sociais sensibiliza usuários para a inclusão de crianças com algum tipo de deficiência

Por Fernanda Paranhos para o Diário de Uberlândia

Mainá Garcia com o filho Caetano

É como ser militante sem estar ligado a um partido. É como lutar sem estar em guerra. Esta é a realidade das mães que têm filhos com algum tipo de deficiência. O filho especial, ao pé da letra, que exige atenção, cuidados e estímulos que vão além dos que são oferecidos para crianças e jovens que não possuem alguma limitação dão, a estas mães, uma maternidade atípica.

Foi neste cenário que surgiu o Grupo Juntos, no Rio de Janeiro, em 2016, sob a organização da educadora física Andrea Apolonia, mãe da Rafaela, de 19 anos, que tem a síndrome chamada Angelman. “Quando eles são crianças, a gente não vê muito essa dificuldade. Só quando eles crescem. Um jovem de 15, 16 anos já está namorando, indo ao cinema sozinho, mas quando a Rafa chegou nessa idade eu fiquei com ela, assim, solitária. Eu fazia sempre os programas sozinha com a Rafa. Foi até que em 2016 eu resolvi abrir um grupo de mães”, conta Andrea.

O grupo foi formado por mães e familiares de crianças com deficiência com o objetivo de oferecer uma rede de apoio. Dali surgiram dicas de terapias, indicação de profissionais, escolas e o principal: compartilhamento de vida, das vitórias e dificuldades.

O cenário vivido por Andrea e outras mães é mais comum do que é imaginado. Em 2015, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Saúde, divulgou que no Brasil 6% da população tem algum tipo de deficiência. Isso significa que vivemos numa sociedade em que há 12 milhões de pessoas com alguma limitação intelectual, física ou motora. Essa população, apesar de expressiva, nem sempre é compreendida ou tolerada. Em setembro do ano passado, por exemplo, um relato chamou atenção dentre muitos no Grupo Juntos. A mãe de um menino autista contou que o filho havia sido convidado a se retirar da escola sob o argumento de que “ele atrapalhava o desenvolvimento das outras crianças”.

A história caiu como uma bomba no grupo, que depois de muitas ideias lançou a campanha #esefosseseufilho, escrita assim mesmo, emendado, em tom de questionamento, para atrair pessoas a se sensibilizarem pelas redes sociais e, enfim, refletir a respeito.

Este e outros relatos ganharam repercussão nacional e, no final de 2018, vídeos gravados por artistas de vários segmentos começaram a circular por aplicativos e redes sociais. Tratam-se de depoimentos reais de mães, resumidos e interpretados por outras pessoas. A pergunta final é simples, direta e tocante: e se fosse seu filho? O último vídeo postado na página do Grupo Juntos, no Instagram, chegou a quase 2 mil visualizações em dois dias, sem contar os compartilhamentos. Quando a hashtag é filtrada no aplicativo de fotos, aparecem em torno de 7 mil publicações.

“A gente não esperava esse sucesso. Queremos que as pessoas se sensibilizem, que se ponham no nosso lugar com essa ação. A resposta foi incrível porque justamente a gente deu voz para essas mães. Estas histórias reais são histórias que eu vivi no Rio, que outra mãe do Pará vive, de Cuiabá também, que a outra nos Estados Unidos está vivendo”, disse Andrea.

IDENTIFICAÇÃO

Em Uberlândia não foi diferente. Para a bombeira Carolina Brandão, a identificação com os relatos foi automática. O filho dela, José, de 5 anos, foi diagnosticado com autismo. Ela afirma que desde o nascimento do menino foi uma batalha atrás da outra, recheada de muitas conquistas, incluindo a matrícula da criança numa escola regular e que, segundo Carolina, ajudou no desenvolvimento dele. Quando perguntada sobre a #esefosseseufilho, ela disse que já refletiu sobre esta pergunta, em várias ocasiões, sobretudo nas mais constrangedoras, onde a mãe se deparou com a falta de empatia das pessoas.

“Teve uma vez em que fizemos uma viagem de ônibus para Belo Horizonte. Ele não chorou, mas fez a viagem inteira cantando alto. Falei para as pessoas próximas que o José tinha autismo e que ele estava entediado, cansado e que ele fazia aquilo para tentar se regular. A moça que estava sentada na frente, mesmo eu tendo falado isso, ficou brava, virou para trás, xingou, falou na minha cara que era para eu arrumar um jeito de controlar meu filho. Eu falei: ‘você tem duas opções, ou você vai ouvir ele cantando até a hora que a gente chegar, ou você vai ouvir ele chorando porque se eu tentar tapar a boca dele, ele vai gritar e vai ser pior. Então ou ele vai cantando ou ele vai chorando’. Depois eu tentei, falei baixinho, chamava atenção, dei celular, mas naquela hora não resolveu”, disse a mãe.

O constrangimento das situações, soam, para estas mães, uma junção de intolerância e ausência de sensibilidade, como se algo ou alguém que foge dos padrões não devesse ser incluído em todos os aspectos sociais. O próprio questionamento destes padrões é feito por quem vive de perto esta realidade. Carolina já enfrentou a mesma solidão relatada por Andrea. Para evitar desconforto ou preconceito com o filho, estipula rotinas e, às vezes, evita alguns programas em conjunto, como ir ao supermercado, onde já viveu momentos de incompreensão. “O autismo não tem cara. Como não é algo físico, as pessoas pensam que é uma criança ‘malcriada’, não conseguem entender o problema que estamos enfrentando”.

É por este motivo que grupos de apoio e a própria campanha #esefosseseufilho ajudam e auxiliam Carolina a persistir na busca de inclusão para José.

CONTINUIDADE

No último mês surgiu, na internet, uma notícia falsa de que a campanha #esefosseseufilho era parte de um programa do Governo Federal. Houve também o boato de que a Unicef financiava a iniciativa. Afirmações que Andrea Apolonia desmentiu.

Tanto a campanha, quanto o Grupo Juntos devem continuar as atividades neste ano. Estão programadas mais ações de conscientização para 2019 com o mesmo objetivo que motivou o começo de tudo: promover a conscientização social e despertar o sentimento de identificação nas pessoas, mesmo naquelas que não têm filhos.

“Esse movimento não é meu, é coletivo. Sozinho a gente vai rápido, junto a gente vai longe. Acho que é por isso que estamos alcançando cada vez mais pessoas. A causa não é minha só. Todo mundo é responsável por essa luta”, afirmou.  

LUTA 
Mães mantêm o otimismo em meio à indiferença
 
Crianças pequenas que têm alguma condição especial não estão imunes ao preconceito, muito menos as mães que enfrentam esta realidade de frente. Mainá Garcia é mãe do Caetano. Menos de dois anos depois de dar à luz ao filho, que tem Síndrome de Down, ela coleciona inúmeros ensinamentos. “Acho que algumas pessoas esperam que a criança com Síndrome de Down seja uma criança debilitada, diferente. Já me perguntaram se ele anda e já me disseram que não ‘parece que tem a síndrome’”, afirmou Mainá, rindo.

Caetano é estimulado e acompanhado desde o nascimento e há meses está matriculado em um hotel escola. A campanha #esefosseseufilho está publicada na página pessoal da nutricionista em uma rede social, além de textos e fotos que mostram o desenvolvimento e a felicidade do filho. Sobre o que ele ainda pode enfrentar de dificuldades e preconceitos, a mãe é realista e otimista. Está em busca constante de novidades e informações sobre outras pessoas com o mesmo diagnóstico do Caetano e que vivem conquistas como uma formatura, carreira profissional, uma aprovação para ter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). “Acho que uma campanha como a #esefosseseufilho é boa porque chama a atenção da população. Porque uma coisa é todo mundo dizer que não tem preconceito, que é a favor da inclusão e aplicar isso. Ninguém sabe o que é. Às vezes está aí do seu lado e você é indiferente.”

Indiferença que Roberta Lelis vive com o filho João Pedro. Diagnosticado com paralisia cerebral, o garoto precisa de acompanhamento especializado e um tipo de fisioterapia intensa, todos os dias da semana, por 3 horas seguidas. A clínica ideal já foi encontrada e fica em Uberlândia, mas é particular. Foi aí que a família de Roberta entrou em embate judicial com o plano de saúde, que tem arcado com o tratamento sob liminar. A continuidade é incerta por ser questionada pela empresa. Pode ser que eles percam o direito das sessões de fisioterapia. Mas isso não desanima a mãe que já lidou, dentre muitas situações, com perguntas inocentes dos amigos da filha mais velha: “Eles perguntam porque ele é assim e a gente tem que explicar que ele é especial”. O futuro para ela é baseado na fé de que o filho pode tudo, como andar, falar, como qualquer criança. “É por isso que eu gosto de compartilhar, de postar as coisas porque eu já vi mães de crianças especiais que se isolam, preferem esconder os filhos. O que tem de ser entendido é que a criança especial é como todas, tem diretos como as outras e o direito dela é ser feliz”, reforça Roberta.

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