quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Mães de crianças com deficiência mostram filhos em redes: "É preciso falar"

Talyta Vespa De Universa para o uol.com.br

Leila e o filho, Gabinho, de quatro anos, que nasceu com má-formação congênita - Arquivo Pessoal
Leila e o filho, Gabinho, de quatro anos, que nasceu com má-formação congênita
Imagem: Arquivo Pessoal

A gestação do primeiro filho da professora Leila Donaria, de 34 anos, foi planejada, bonitinha, do jeito que ela sempre sonhou. Os exames de pré-natal não apontaram qualquer alteração genética. A surpresa, ela conta, foi no dia em que Gabriel, o Gabinho, como ela carinhosamente o chama, nasceu.

"Ele nasceu com seis dedinhos no pé esquerdo. Não dava para saber se era só isso ou se era um sinal de que ele tinha alguma síndrome. Com o tempo, fizemos alguns exames e, no laudo, o médico escreveu 15 linhas de alterações que ele tem. Entre elas, ele tem trigonocefalia, uma doença que impede o cérebro de crescer por causa do formato do crânio e, por isso, teve de passar por uma cirurgia com seis meses de idade. Foi o pior dia da minha vida. É desesperador não saber o que seu filho tem. O que eu fiz para tentar amenizar isso foi estimulá-lo de diferentes formas", conta.

Leila relembra a dificuldade que sentia ao tentar não comparar o filho com os bebês das amigas. "Eu via os bebês delas sentando enquanto o Gabinho ainda não conseguia. No começo, era inevitável comparar e sentir vergonha. Seria hipócrita se falasse que isso nunca aconteceu. Agora, morro de orgulho. Ninguém sonha em ter um filho especial, mas, se eu pudesse escolher, escolheria mil vezes o Gabinho", diz.

Leila e Gabinho - Arquivo Pessoal
Leila e Gabinho Imagem: Arquivo Pessoal.

Leila, apesar de se considerar bastante discreta, passou a divulgar um pouco do dia a dia com o filho nas redes sociais. "Sei que isso faz com que outras mães se sintam confortáveis para publicar fotos dos filhos também, trocar informações e criar uma rede de apoio. Não se fala sobre pessoas com deficiência porque a gente não as vê. São 24% da população e você olha para o lado e raramente vê essas pessoas. Elas ficam trancadas em casa porque a sociedade não fala sobre elas. Precisamos aparecer".

"Faço questão de fazer tudo com meu filho. A gente vai a restaurantes, ao shopping, a gente brinca. Sei que, se uma mãe de uma criança deficiente me vir brincando com meu filho no playground, de repente pode se sentir à vontade para sair com o filho dela. Temos que nos apoiar, temos que aparecer", diz.

Gabinho, hoje, vai à escola, é uma criança como qualquer outra. "Eu vejo a maternidade atípica como uma maternidade normal. Comparar seu filho com outra criança pode te podar de uma felicidade genuína que é acompanhar cada conquista dele. As belas coisas da vida estão nos detalhes".


O menino que não sabia chorar


Bento não se cansa de responder às pessoas sobre sua má-formação - Arquivo Pessoal
Bento não se cansa de responder às pessoas sobre sua má-formação Imagem: Arquivo Pessoal.

É da mesma forma que a desenhista Luiza Pannunzio, de 40 anos, lida com a doença do filho, Bento. O menino, que é superfamoso nas redes da mãe e até reconhecido na rua, nasceu com fissura labial palatina --vulgarmente conhecida como lábio leporino. Ele tem sete anos, faz tratamento a longo prazo, usa um aparelho externo e já passou por três cirurgias.

Por causa da síndrome, o menino não tem o canal lacrimal do olho direito e, por isso, desde bebê, não chora. Em homenagem a ele, a mãe escreveu o livro "O menino que não sabia chorar" em que conta todos os desafios de ser mãe de um menino especial. Para ela, falar sobre crianças com deficiência é um tipo de ativismo. Ela criou uma ONG As Fissuradas que luta por políticas públicas e serviços de saúde públicos para atender a essas crianças.


"Soube da má-formação que o Bento tinha 20 dias antes de ele nascer. Eu me desesperei, não tinha para onde correr. Não fui acolhida pela equipe médica nem por ninguém. Foi um processo solitário de pesquisa. Juntos, fomos entendendo suas limitações. Ele vai à fonoaudióloga, ao dentista, faz os tratamentos. Demanda muito tempo. De resto, é uma criança comum. Ele usa um aparelho externo e eu morro de medo que alguém, um dia, use isso contra ele", explica.

"O Bento entrou na escola há dois anos. Eu tenho, todos os dias, medo de ele sofrer na escola. Deixo ele lá e falo: 'Se alguém te disser alguma coisa que você não gostar, converse com a professora'. Ele está há alguns dias sem querer ir para a escola mas também não quer contar para a gente. A gente sabe o que acontece. A gente espera ele se posicionar porque não tenho como estar ao lado dele 24 horas por dia. Chega no fim do mês, ele fica cansado de se defender tanto", conta.
Luiza conta que o filho é, algumas vezes, reconhecido nas ruas. Ele estampa todos os projetos da ONG "As Fissuradas", criada por Luiza. Segundo ela, Bento sabe da importância de falar sobre sua doença. "Ele não se cansa de responder às pessoas sobre o que ele tem. Quando era pequenininho, fazia umas graças, usava o humor para fazer isso. Hoje ele explica que nasceu com uma fissura labial. Às vezes eu canso de explicar, mas ele, não. E é essencial que seja dito".

Um coração sem fechadura


Matias passa por exames de rotina. A mãe assume que teme a necessidade de mais uma cirurgia - Arquivo Pessoal
Matias passa por exames de rotina. A mãe assume que teme a necessidade de mais uma cirurgia Imagem: Arquivo Pessoal.

É no Instagram, também, que a designer Silvia Guimarães, de 40 anos, encontrou sua rede de apoio ao comentar publicamente sobre a cardiopatia do filho, Matias, de nove anos. A má-formação que o acompanha desde o nascimento fazia com que o coração dele não conseguisse mandar sangue para o pulmão. Foram incontáveis cirurgias e a família vive em função de um acompanhamento que vai durar a vida toda.

"Quando ele nasceu, ficamos dois meses na UTI. Foi muito difícil porque eu percebi, ali, que só outras mães entendiam o que eu estava passando. Minha família e amigos estavam envolvidos nesse momento delicado, mas havia uma conexão e um apoio que vinha só de quem era mãe. Nunca foi tabu para mim falar sobre a doença do meu filho, sei que esconder isso só faz com que o preconceito cresça. Na época, fiz um blog para falar sobre. Hoje, uso o Instagram", afirma.

"Escrevi um livro contando a história do Matias chamado "Um coração sem fechadura", que consegui publicar depois de um financiamento coletivo. Ali, começou uma identificação. Eu falei muito sobre as nossas dificuldades do cotidiano com o intuito de normalizá-las, e isso aproximou um monte de mães da gente. Para mim, foi essencial ter alguém por perto. Queria que essas mães sentissem o mesmo", continua.

Os períodos em que Matias têm exames de rotina são sempre angustiantes para a mãe, que assume: "Morro de medo de meu filho ter que passar por outra cirurgia. A cada cirurgia que ele fazia, meu coração ficava na mão. Era muito desesperador".

A culpa, ela conta, a acompanhou por muito tempo. "Me sentia responsável, com medo do que as pessoas pudessem falar. Medo de elas me responsabilizarem. E senti, inclusive, um certo luto por não ter um filho perfeito. Ninguém quer passar o primeiro mês de vida do filho numa UTI, né? É um sofrimento além da situação. Eu fui muito julgada porque ele teve um parto domiciliar e médicos jogaram isso na minha cara por causa da doença dele. Foi muito difícil", diz.

Para essas três mães, mascarar a vida imperfeita não é uma opção. Elas encontraram, ao expor seus filhos sem medo, uma rede de apoio que tem o intuito de fazer com que essas crianças sejam vistas. E elas estão sendo.

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