sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Os gargalos da inclusão no Ensino Médio

 por tory para cartacapital.com.br

A pedagoga Soraya Rebouças, 48 anos, já trabalhava há dez anos com Educação Inclusiva quando seu filho nasceu com uma síndrome rara. Por escolha dela, Guilherme estudou em escolas regulares desde a Educação Infantil, perseverou e, hoje, aos 17 anos, é um dos 42,4 mil alunos com deficiência matriculados no Ensino Médio regular em todo o Brasil.

Guilherme está no 2º ano dessa etapa em um colégio particular em São Bernardo do Campo (SP), gosta das aulas de Literatura e pensa em seguir carreira na área de Humanas. Mesmo enfrentando problemas como o bullying de alguns colegas e o pouco tempo dos professores, a mãe considera que a experiência foi positiva para o filho.

“Hoje, ele é um menino que não tem vergonha de ser quem é. Isso foi a inclusão que deu para ele”, conta Soraya, que é também consultora na área e trabalha na rede municipal de São Bernardo como professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Cada vez mais presentes nas salas de aula regulares nos ensinos Infantil e Fundamental, os alunos com deficiência ainda têm dificuldades para chegar ao Ensino Médio. Atualmente, são 42,4 mil alunos com algum tipo de deficiência física ou intelectual estudando em classes comuns do Ensino Médio público ou privado.

Contudo, embora o total tenha aumentado 219% entre 2007 e 2012, ainda é grande a defasagem na transição do Ensino Fundamental. Segundo dados preliminares do Censo Escolar 2013, elaborado pelo Ministério da Educação (MEC), em 2012 havia 485 mil alunos com deficiência frequentando o Ensino Fundamental.

Ediclea Mascarenhas Fernandes, professora da Uerj e coordenadora do Núcleo de Educação Especial e Inclusiva da universidade, explica que a passagem do Fundamental para o Médio é um ponto de estrangulamento já conhecido no sistema educacional, no qual há mais chances de os alunos – com deficiência ou não – abandonarem a escola.

“São pontos problemáticos para todos. Para o aluno com deficiência, esse é mais forte, pois ele precisa mais de apoio e de adequações curriculares”, explica. “E, infelizmente, não temos ainda nas escolas os apoios necessários para que eles possam cumprir seu progresso no sistema de ensino.”

A maior complexidade dos conteúdos trabalhados no Ensino Médio, a ênfase no vestibular e o grande número de professores são outros fatores que influenciam a baixa saída de alunos na última etapa da Educação Básica.

“A qualidade da educação para eles é ainda pior do que para os estudantes sem deficiência. Pela falta de suporte, acabam desistindo”, analisa Eniceia Gonçalves Mendes, coordenadora do programa de extensão em formação continuada da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e presidenta da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial.

Outras barreiras de infraestrutura, como a falta de banheiros adaptados para cadeirantes e a ausência de intérpretes em Língua Brasileira de Sinais (Libras) para os surdos ou de orientadores de mobilidade para alunos com comprometimentos motores, também dificultam o acesso ao Ensino Médio. “Tudo isso está previsto na legislação. As políticas escritas nós já temos, o que precisamos agora é que elas sejam cumpridas”, defende Ediclea.

No entanto, algumas instituições relatam dificuldades para pôr em prática o trabalho de inclusão. Um desses obstáculos, alegado principalmente por escolas privadas, é o custo trazido pelos alunos com deficiência, que em geral demandam adaptações. Na Escola da Vila, centro de ensino particular em São Paulo conhecido pelo trabalho com alunos com deficiência, o valor é diluído entre todos os outros pais.

“Para a nossa comunidade é importante a inclusão, mas outras escolas privadas podem ter problemas, inclusive financeiros”, conta a diretora Sonia Maria Barreiro. A cobrança de taxas ou mensalidades diferentes dos estudantes com deficiência é hoje alvo de questionamentos judiciais – a Lei de Diretrizes Básicas da Educação (Lei nº 9.394/96) fixa como dever do Estado garantir atendimento educacional especializado e gratuito aos educandos nessa condição.

A formação de professores é outro grande entrave, seja nas escolas públicas, seja nas particulares. Um dos motivos é que os cursos de licenciatura e de Pedagogia não se modificaram para atender o novo público que está chegando às escolas.

“Sem dúvida é difícil (a inclusão) porque ainda não temos na formação dos professores uma preparação para isso”, lamenta a professora Ediclea, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. No entanto, algumas iniciativas já estão em vigor.

Desde 2006, todos os alunos dos cursos de licenciatura da Faculdade de Educação da Uerj precisam cursar uma disciplina de 60 horas sobre Educação Inclusiva. Assim, explica Ediclea, o professor de Química, Física ou Biologia terá formação teórica e prática sobre como trabalhar com alunos com necessidades especiais.

“Ele saberá adaptar um texto para o estudante cego ou elaborar uma avaliação diferenciada para o que tem necessidades motoras”, exemplifica.

O envolvimento dos professores, na visão de Soraya, é determinante para o desempenho do filho com deficiência. “Quando o professor olha para ele positivamente e busca metodologias diferenciadas, ele consegue avançar”, conta essa mãe e educadora.

Para Macaé Evaristo, secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do MEC, o Ensino Médio ainda é um desafio. Apesar dos avanços, a dispersão dos alunos com deficiência é grande na comparação entre os primeiros anos do Fundamental e os do Médio.

“Construir um sistema educacional inclusivo cada vez mais significa eliminar barreiras, não só de acesso, mas de permanência e de aprendizado”, defende Macaé, citando o aumento das matrículas de alunos com deficiência no Ensino Superior, que passou de 2.173 no começo de 2000 para 20.287 em 2010.

A Política de Educação Especial na Perspectiva da Inclusão, criada pelo MEC em 2008, prevê a instalação de salas com recursos multifuncionais nas escolas públicas e o chamado Atendimento Educacional Especializado, realizado no contraturno, preferencialmente na própria unidade de ensino, por professores especialistas.

A tarefa de incluir um aluno com deficiência, porém, não deve ser apenas do docente de Educação Especial. “Acolher a todos precisa ser uma filosofia da escola”, defende Eniceia, da UFSCar.

Na visão de Silvia Viegas, coordenadora gestora do Núcleo de Educação da Diferença da Escola Viva, os alunos com deficiência chegam para ajudar a pensar o lugar de outra maneira: “Eles nos desafiam, movimentam a escola. Essas experiências são muito ricas para os alunos e também para nós educadores”.

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