sexta-feira, 22 de julho de 2016

Sobre o orgulho (e a voz) autista

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Recentemente, no dia dezoito de junho, foi comemorado o dia do “orgulho autista”. Nesta, como em outras datas importantes, tais como o dois de abril, é comum que sejam abertos espaços para especialistas falarem sobre seus estudos ou mães como eu dividirem suas vivências, mas, em muitas das vezes, se esquece o principal: O próprio indivíduo com autismo para falar sobre sua trajetória, potencialidades, dificuldades, conquistas… Afinal, quem poderia falar melhor do que eles mesmos? Se os organizadores de tais eventos não acham isso possível, acredito que eles mesmos possuem uma visão estereotipada sobre as pessoas com TEA. Alguns conseguem se expressar lindamente.

Este tipo de paradoxo infelizmente não é raro, já vivi situações semelhantes e vou citar uma delas: Há alguns anos, durante uma aula de LIBRAS ( Linguagem Brasileira de Sinais), a intérprete explicou demoradamente para a turma sobre a importância de o sujeito surdo ser incluído. O discurso foi lindo, só havia um problema: Ela se esqueceu de transmitir a mensagem, em LIBRAS, para a professora surda que estava dentro da sala e ficou totalmente excluída da comovente conversa sobre inclusão. Para piorar, a intérprete estava de costas para a professora, minando qualquer possibilidade de leitura labial ou outra forma de contato.

Quando damos oportunidade e voz a quem realmente precisa ser escutado, muitas vezes até o próprio foco das discussões muda. Voltando ao autismo, é comum, por exemplo, que pais montem grupos e promovam eventos que tenham por objetivo uma suposta cura ou “amenização dos sintomas” de autismo dos filhos (a qualquer preço). Se estes filhos fossem escutados, será que este seria o desejo deles, serem curados?  A quem tal “cura” interessaria? Aos sujeitos com autismo ou aos pais?

Até o momento tive o prazer de ouvir e ler relatos de algumas pessoas no espectro e  nunca vi partindo DELES nada que remetesse a algum desejo de ser curado ou radicalmente transformado, pelo contrário. Temple Grandin, que foi diagnosticada com autismo na infância, diz que “se por alguma mágica, o autismo tivesse sido erradicado da face da Terra, então, os homens ainda estariam se socializando na frente de uma fogueira na entrada de uma caverna” e que o mundo precisa de todos os tipos de mente.

Para mim, tal colocação é brilhante.  Entretanto, quando trago essa provocação, de maneira alguma estou negando os percalços, as dificuldades e propondo uma glamourização do autismo, onde tudo seriam flores e eu teria sido escolhida por Deus… Nada disso. Apenas ressalto que, muitas vezes, as próprias associações e instituições que lutam pela causa não dão voz aos indivíduos com autismo e não é raro que as batalhas que são travadas por aí não sejam de fato as lutas deles.

Ainda sobre a Temple Grandin, aprendi muito mais sobre alterações sensoriais táteis lendo sobre sua “máquina do abraço” que com os livros técnicos. Por mais que nos debrucemos em pesquisas e artigos sobre o assunto, nada é tão esclarecedor quanto ouvir uma pessoa com autismo falar sobre suas questões. Estamos, de fato, abertos a escutá-los?

Um grande abraço e até a próxima!

Érika Andrade, mãe do Bernardo, Psicóloga e administradora do instagram @maternidadeazul.

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