quarta-feira, 7 de junho de 2017

Sobre autistas leves e pais “míopes”


Frequentemente, recebo mensagens de mães me perguntando sobre qual o grau de autismo do Bernardo. Minha resposta é: “Não sei, ainda é cedo para falar” (ele tem quatro anos e meio). Apesar de avaliar que, pelo fato de responder muito bem às intervenções desde cedo, meu filho tem um excelente prognóstico, sou realista o suficiente para imaginar que se o grau de autismo dele fosse tão leve quanto eu gostaria, minhas suspeitas provavelmente iriam ter início quando ele já estivesse mais velho e não com um ano e meio de idade, como aconteceu. Uma criança que já se destoa de seus pares desde um ano de idade tem sim uma chance real de se tornar autista severa quando chegar à fase adulta e essa possibilidade deve ser considerada pelos pais. Não estou dizendo que isso é uma sentença, mas que é uma dentre as várias possibilidades que existem.

Sobre essa questão, percebo que o tal “autismo leve” é extremamente superestimado pelos pais. Infelizmente, nos grupos, esse discurso é comum e muitos pais reforçam a todo o tempo que o filho é autista leve, e alguns quase batem no  peito para se gabar disso perante os outros. Muitas conversas começam com “meu filho também tem autismo, mas ele é leve… Ele tem apenas um ano, mas sei que o grau é leve.”

Talvez, se agarrar à palavra “leve” torne a situação mais fácil de ser digerida pelos responsáveis, mas em alguns casos estes estão realmente equivocados e, quando isso é dito a eles, pode haver muito mal estar. Em certa ocasião, uma colega afirmava que o filho de dois anos era “autista leve” e eu disse que, para mim, até que se prove o contrário, é impossível prever isso tão cedo, tendo em vista que o que irá determinar o grau do transtorno é a resposta da criança às terapias. Honestamente, não consigo pensar em como mensurar isso aos dois anos.  Nem preciso dizer que minha colocação não foi bem recebida e a pessoa passou a me evitar. Paciência.

Mas, por qual razão tal discurso me incomoda? Podem ter certeza que não sou sádica e não tenho prazer em dizer a algum dos pais algo no sentido de “meu querido, isso não está me parecendo nada leve”. Na verdade, nem costumo me dar esse trabalho, só quando alguém me pergunta diretamente, e aí dou uma resposta honesta.  Meu incômodo vem é da vontade de saber de onde vem o fato de a maioria esmagadora dos pais de crianças com autismo avaliar que seus filhos são “autistas bem leves”, mesmo quando os atrasos são muito gritantes e evidentes. Isso se deve, em sua maioria, a um mecanismo de defesa (e quase uma negação da condição real do filho) por parte dos pais, ou de uma falha dos profissionais no momento de abordar o assunto?

Em um dos meus primeiros textos, falei sobre isso e sobre a postura do psiquiatra do Bernardo, que avalio como muito ética. Consultório não é lugar de falar o que os pais querem ouvir para estes saírem de lá felizes, achando o profissional um “fofo”, mas muitas vezes sem ter a dimensão real da quantidade das intervenções que a criança precisa. Afinal, se, de imediato,  é dito para determinada mãe que o autismo do seu filho é tão leve, será que seria necessário investir tanto em terapias? Ele vai se desenvolver bem de qualquer forma, o autismo é muuuito leve! Ele tem seis anos, ainda não fala, não desfraldou, não reconhece letras, mas quando tinha dois anos o médico disse que o grau era leve, e ai de quem disser o contrário!

O receio que tenho é que os pais acabam de alguma forma negligenciando os acompanhamentos do filho na medida em que subestimam as dificuldades existentes. Particularmente, parto do princípio que toda criança diagnosticada é grave até que se prove (ou não) o contrário, e prefiro pecar pelo excesso  de intervenções e cuidados que pela falta.

De qualquer forma, escrevo como mãe, não como profissional, tendo em vista que esta não é minha área de atuação dentro da psicologia (apesar de sentir que isso é uma questão de tempo). Há muitos profissionais que entendem tecnicamente mais do assunto que eu. Coloco-me à disposição de todos caso exista realmente uma maneira de detectar grau de autismo em uma criança de dois anos.  Adoraria saber sobre como falar com segurança e ética para uma mãe de uma criança dessa idade sobre o “graus de autismo” de seu filho. Até então, para mim, não há como fazer essa avaliação tão cedo, os pais deveriam se prender menos às palavras “leve”, “moderado”, “severo” e tentar simplesmente se dedicar a auxiliar a criança nas demandas que ela apresenta naquele momento, tendo em vista que é isso o que, na prática, fará diferença  na qualidade de vida que ela tem e terá.

Por Érika Andrade para o criancaesaude.com.br

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