Laura Martins para o realmaternidade.com.br
Aos poucos, os pais vão fazendo o luto, aprendendo a lidar com a criança e a amá-la como ela é. Muitos desafios estarão presentes no cotidiano dessa família, mas certamente ela vai amadurecer muito com o aprendizado.
Estreando minha coluna no Real Maternidade, hoje gostaria de conversar com vocês sobre um conflito muito presente nas famílias que têm crianças com deficiência: querer evitar, a todo custo, que o filho viva situações que vão deixá-lo triste. Vamos combinar: quem é que quer ver tristeza na carinha do filho, tenha ele uma deficiência ou não? Não, eu não sou mãe de uma criança com deficiência, mas tenho uma deficiência e senti na pele quanto foi difícil para meus pais, principalmente para minha mãe, abrir mão da superproteção. Definitivamente, eles dariam qualquer bem para evitar que eu sofresse.
Uma situação comum é a criança enfrentar preconceito na escola, o que pode evoluir até mesmo para bullying. E isso, é importante dizer, não ocorre exclusivamente com a criança que tem deficiência, mas com todas as crianças marcadas por alguma diferença, seja na cor da pele, na forma de viver sua afetividade ou outra qualquer. Talvez a situação fique mais desafiadora se a criança tiver uma deficiência que comprometa sua comunicação com os coleguinhas, ou se estiver enfrentando dificuldades de fortalecer a autoestima.
Aceitar o diferente é um grande desafio para a espécie humana. Nosso aprendizado ancestral é de desconfiar daquele pertencente a outra tribo, a outro povo, que nos primórdios era visto como concorrente na luta pela sobrevivência. Não era amigo e estava longe de ser considerado irmão de humanidade.
Os tempos passaram, mas a desconfiança e a animosidade continuam coladas ao nosso comportamento. E acredito que será preciso uma longa desconstrução/des-formação para que aprendamos que o diferente não é inimigo. Jung foi além: falou do diferente que está dentro de cada um — e ao qual é ainda mais difícil amar. Porque o desafio está muito mais dentro do que fora.
Acredito que eu aprendi a não discriminar sentindo na pele a discriminação. Fui olhada com desconfiança durante anos. Tinha colegas de faculdade que me pediam carona, mas tinham medo de que eu não soubesse dirigir “aquele troço” direito (eles se referiam à adaptação do carro). Uma vez fui síndica no meu condomínio, e um advogado que assistiu a uma das reuniões me parabenizou, porque não achava que uma pessoa com deficiência fosse capaz de se sair tão bem naquele papel.
É claro que esses comportamentos me entristeceram. Mas cedo aprendi que eu não iria longe se não cuidasse da minha autoestima — e que autoestima não é verniz. É profunda construção de se respeitar e se amar como se é, ou como se está.
Precisamos ajudar nossas crianças, com deficiência ou não, a ter uma autoestima fortalecida. Superprotegê-las e evitar a qualquer custo expô-las a circunstâncias que vão desafiá-las não será uma boa forma de colaborar para isso. Pelo contrário: poderá levá-las a desconfiar das próprias capacidades.
Não é possível impedir que os pequenos experimentem frustração e tristeza. É humano ter emoções e sentimentos, e eles têm utilidade; ajudam-nos a amadurecer e ficamos mais fortes ao conseguir elaborá-los. Querer impedir que nossos queridos sofram é abortar o processo de desenvolvimento que levaria a larva a se transformar em borboleta.
Crédito Foto: Marta Alencar – Alta Estima Fotografia Inclusiva
Está nos cinemas um filme de animação que me parece muito útil para nossas reflexões sobre o tema: Divertida Mente. Ele mostra o que acontece quando uma garota tem que enfrentar uma mistura de sentimentos e emoções. A história se passa na mente de Riley, “onde Alegria – narradora do filme – trabalha para manter a menina sempre feliz. É ela que apresenta seus colegas de trabalho. O Medo a protege dos muitos perigos do mundo. A Nojinho previne que seja envenenada (‘tanto física como socialmente’). Raiva garante que a menina não sofra injustiças. E há também a Tristeza, que ninguém sabe muito bem para que serve”. Clique aqui para ler o bom texto de Daniel Martins de Barros e, claro!, veja o filme. Animações não são apenas para crianças…
Afinal, o que acontece quando nos impedimos de ficar tristes? Seria esta uma conduta geradora de saúde? Tudo que nossos filhotes precisam é ter pais humanos e amorosos ao seu lado, não pais perfeitos. A tristeza passa; o aprendizado e o vínculo permanecem. Para sempre.
#DICAREAL
Em todos os meus textos, vou deixar dicas sobre o universo da pessoa com deficiência, combinado?Evite se referir à criança com deficiência como “criança especial”. Especiais são todas as crianças! A que tem uma deficiência se distingue por suas características singulares, mas, ainda aí, que criança não tem singularidades? Diga apenas “criança que não tem deficiência” em contraposição à que tem, e que não deveria ser chamada de criança “normal”. Afinal, quem é que decide o que é normal? E assim vamos construindo uma sociedade com menos exclusão, já que nossa maneira de nos referir às pessoas carrega nossos valores e nossas crenças!
Nenhum comentário:
Postar um comentário