quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Máscara pode prejudicar habilidade emocional e de comunicação em crianças

 Carol Firmino para o uol.com.br

A OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) publicaram em agosto as orientações sobre o uso de máscara em crianças, que foram divididas em três faixas etárias: até cinco anos, a indicação é que elas não usem a proteção; de seis a 11 anos, orienta-se uma análise dos riscos para avaliar a necessidade; e as de 12 ou mais devem seguir as mesmas orientações que os adultos, com exceção de crianças com condições específicas —como algum tipo de deficiência intelectual — cujos familiares também precisam ponderar se é necessário.

Porém, seja por precaução ou não concordância sobre as orientações da OMS, muitos pais têm adotado o uso de máscaras nos filhos a partir dos dois anos de idade, decisão endossada pela SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) e outras instituições, que fazem alerta para o risco de sufocamento, mas não defendem a proposta da OMS.

Sabemos que usar máscara é um dos novos hábitos mais significativos adotados em 2020 e que existem evidências suficientes sobre a sua eficácia na prevenção do coronavírus. Entretanto, esse uso também é motivo de dúvidas e ansiedade entre as famílias, os professores, os pesquisadores e outros profissionais que seguem avaliando as consequências para os mais novos, seja na interação social, na fala, na linguagem ou em outras áreas do desenvolvimento.

Contexto de adaptações

A infância é uma fase de descobertas que inclui, principalmente, a socialização: brincar, interagir com a família e os amigos, pisar descalço em texturas diferentes, tocar os objetos para sentir as formas, e outras atividades que fazem parte do desenvolvimento sensorial, motor, cognitivo e social de uma criança. Mas, com a pandemia, essas dinâmicas foram excluídas da rotina infantil ou readaptadas para dentro de casa.

No entanto, também é durante a infância que o cérebro tem as melhores condições para se adaptar a um contexto ainda desconhecido. Isso acontece por causa da neuroplasticidade (capacidade que o sistema nervoso tem de se moldar a mudanças), que permite às crianças aprenderem mais rápido por meio de suas vivências. Assim, com algumas estratégias e ajuda dos adultos, elas podem desenvolver as habilidades de comunicação, emoção e interação, mesmo com a introdução do uso de máscara no dia a dia. É importante lembrar que as brincadeiras e as ocupações diárias dentro dos lares —ambiente em que normalmente não há a obrigatoriedade da proteção facial para os que moram juntos — são muito promissoras por haver mais liberdade.

máscara; criança - iStock - iStock
Imagem: iStock

Pesquisadores da Universidade de York, em Toronto, no Canadá, coordenaram um estudo online para avaliar até que ponto as máscaras mudam a maneira como os rostos são percebidos pelas pessoas. Entre os 500 adultos que concluíram os desafios de memorização facial, 13% tiveram problemas para identificar as faces cobertas por máscaras cirúrgicas. Agora, imagine a dificuldade de um bebê que, recorrentemente, precisa visualizar os pais dessa maneira? Isso porque, mesmo que a criança seja muito pequena para usar a máscara, todos ao redor dela estão usando.

Desde os primeiros meses de vida, as expressões não verbais são muito importantes, pois, ao observar o outro, a criança colhe informações que não são ditas e começa a entender os sentimentos e emoções do seu interlocutor, fator essencial para desenvolver as habilidades sociais. Por isso, os fonoaudiólogos sugerem o investimento nas máscaras com visor, que são transparentes na região da boca. Essa é uma escolha inclusiva, indicada para facilitar a leitura labial por pessoas surdas, mas que pode funcionar para todos.

Porém, no geral, os adultos vão precisar ser cada vez mais claros e explícitos sobre o que desejam comunicar à criança, especialmente para as menores. Assim, as regras e as emoções devem ganhar mais ênfase na fala e no olhar, para que elas possam entender. Outra dica é associar as conversas a acessórios divertidos como chapéus, arcos de cabelo e até máscaras coloridas ou com personagens que a criança goste. Repetir comandos, realizar movimentos durante a interação, usar a expressão corporal e pistas sonoras como cantar, bater palmas e utilizar sons também favorecem o envolvimento. Nos momentos em que a criança precisa focar apenas no que o adulto fala, estratégias sensoriais podem contribuir para o nível de alerta cerebral, como fazer com que ela fique sentada numa bola em vez da cadeira.

Atenção redobrada

Crianças e adolescentes que têm algum tipo de deficiência precisam de um olhar mais atento e cuidadoso para suas necessidades. Nos tratamentos que incluem ações relacionadas à atenção, independência e autonomia nas ocupações cotidianas, as atividades podem ser diminuídas e dificultadas em função da pandemia, além de acarretar prejuízo das recomendações gerais relacionadas à covid-19.

É comum que a convivência se torne mais complicada até mesmo para a família, que precisa lidar com situações ainda mais atípicas do que de costume. Comportamentos como dificuldade de concentração, alteração nos padrões de sono ou alimentação e irritabilidade já são sinais de que algo não está indo bem e pode interferir nos avanços conquistados. Neste caso, o acompanhamento de profissionais da saúde —como psicólogos e terapeutas ocupacionais — é fundamental para pensar em adaptações para a nova realidade e minimizar o impacto no desenvolvimento.

Indivíduos com síndrome de Down, autismo e até TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) requerem estímulos mais lúdicos para se manterem atraídos. O uso de vídeos e fotos que os ajudem no reconhecimento facial das expressões, de plaquinhas com imagens de sorriso, tristeza ou raiva por cima da máscara, e de jogos que explorem mais o corpo são opções inteligentes para se aplicar na terapia, em casa ou na escola.

Criança com máscara protetora espera ser testada para a doença de coronavírus (COVID-19) na Bela Vista do Jaraqui - BRUNO KELLY/REUTERS - BRUNO KELLY/REUTERS
Imagem: BRUNO KELLY/REUTERS

Volta às aulas

No Brasil, as atividades estão retomando o seu curso normal, ainda que não se tenha decretado o fim da pandemia ou a chegada da vacina. Crianças e adolescentes fazem parte desse contexto, e o retorno presencial aos colégios já acontece em diferentes estados no país para alunos de todas as idades. No entanto, o desafio do novo momento não se limita ao uso correto da máscara ou ao cumprimento de protocolos.

É necessário reconhecer que será um período de ansiedade para alunos e professores, e que o laço social precisa se fortalecer longe das telas, mesmo com o respeito do distanciamento. Dessa maneira, por mais que haja expectativas por cumprir a demanda de prazos, essa retomada requer paciência e acolhimento. Nem todas as crianças e adolescentes tiveram o mesmo desempenho nas atividades em casa, seja por dificuldades emocionais, sociais ou técnicas.

É normal também que haja uma superexcitação nesses alunos, já que a escola seria o espaço para extravasar a energia contida; ou o contrário, com apatia, flacidez motora pela provação de movimentos globais —correr, saltar, rolar — bem como medo de percorrer distâncias ou certa inabilidade diante do reencontro com os colegas.

Entre as orientações para os professores está falar mais alto e devagar, cuidar do tom de voz, ser mais objetivo, diminuir objetos visuais muito chamativos, dar oportunidade para que as crianças possam dizer o que entenderam sobre a explicação e investir na expressão corporal, com mímicas, performances teatrais etc. Permitir que elas masquem chiclete ou chupem uma bala também contribui para aumentar o nível de alerta cerebral.

Diante disso, se a rotina desses profissionais já era difícil antes da pandemia, o esforço e o cansaço ao utilizar a máscara para lecionar não podem ser normalizados. Para se protegerem dos nódulos nas cordas vocais, as recomendações são fazer pausas entre as exposições, beber bastante água e procurar ajuda profissional se houver qualquer desconforto.

Fontes: Ana Gabriela Andriani, psicóloga, especialista em psicoterapia dinâmica breve pelo IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), mestre e doutora em educação pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas); Amanda Tavares, terapeuta ocupacional pediátrica pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), pós-graduada em terapia ocupacional aplicada à neurologia pela FICSAE (Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein); Cristiane Magacho, fonoaudióloga, especialista em dermatoglifia, doutora em linguística aplicada e estudos da linguagem pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo); Deyse Campos, psicopedagoga, especialista em psicopedagogia clínica, doutoranda em psicanálise na UCES-AR (Universidade de Ciências Empresariais e Sociais de Buenos Aires - Argentina) e conselheira pedagógica do colégio Interpares; Fabiana Vieira Gauy, psicóloga, terapeuta cognitivo-comportamental, mestre em psicologia pela UnB (Universidade de Brasília) e doutora em psicologia clínica pela USP; Simone Lavorato, pedagoga, psicóloga, neuropsicóloga, doutora em educação de ciências (educação inclusiva) pela UnB e professora de neuroeducação e competências socioemocionais na Rede Pedagógica.

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