Percebemos o mundo através dos sentidos, incluídos aí o sentido vestibular (responsável pela manutenção do equilíbrio) e o de propriocepção (responsável pela percepção e consciência corporal). O processamento inadequado de qualquer um deles pode causar diversos prejuízos no dia-a-dia da pessoa que apresente tal disfunção. É comum que crianças com TEA apresentem dificuldades desta natureza e, neste texto, vou focar no sentido do tato por serem relacionadas apenas a ele as dificuldades significativas apresentadas pelo nosso filho em termos de processamento sensorial até o momento.
A criança que apresenta disfunção sensorial tátil pode reagir em excesso a determinados toques ou sensações (hipersensibilidade) ou não demonstrar incômodo em outras situações em que esta seria a reação esperada (hiposensibilidade). No nosso caso, essas experiências co-existem, o que para os pais, é confuso: Ao mesmo tempo em que ao cair e ralar o joelho, nosso filho pode não chorar e demonstra não sentir dor, uma etiqueta em uma blusa pode trazer tanto desconforto a ponto de ele não aceitar o uso daquela roupa.
No dia-a-dia das famílias, estas questões trazem muito desgaste e stress tendo em vista que esbarram nos cuidados pessoais da criança (corte de unha e de cabelos, roupa adequada para a temperatura, uso de calçados etc.)
Como já relatei no texto “Autismo e Intervenção Precoce” (clique aqui para ler), Bernardo apresentava um desenvolvimento considerado típico até a idade de um ano e quatro meses quando sua entrada em determinada escola atuou como “gatilho”e gerou uma regressão em seu comportamento. Neste momento ele passou a apresentar características comuns a crianças que estão no espectro e o diagnóstico formal não demorou a vir.
Porém, preciso ser justa e realista o suficiente para admitir que as questões sensoriais táteis já existiam desde muito antes à entrada dele nessa escola e sim desde que ele nasceu; nós apenas não sabíamos que algumas características dele tinham um “nome”. Trocando em miúdos, o gatilho existiu, mas “algo” já estava lá… Quando olho os álbuns de fotografias, vejo que, até por volta dos dois anos, Bernardo está descalço em praticamente todas as fotos. Na atual escola, já me relataram que, como se não bastasse tirar os tênis e as meias, ele os escondia. Isso acontecia antes de ele fazer dois anos! Quando o esconderijo era descoberto, ele mudava. Outro exemplo: desde recém-nascido eu só conseguia cortar suas unhas se ele estivesse dormindo. E isso só mudou aos três anos de idade.
O que fazer em situações como essas? O profissional capacitado para avaliar e trabalhar as questões sensoriais é o terapeuta ocupacional, através da Integração Sensorial. Durante a terapia, a criança é exposta de forma gradual e delicada a alguns estímulos de forma a aumentar a resistência dela a eles. Claro que a maneira que isso deve ser feito é algo que apenas o profissional capacitado tem condições de avaliar.
Podemos dizer que nosso filho vem melhorando progressivamente através deste acompanhamento e que a Integração Sensorial tem se mostrado fundamental. Para outros pais, por exemplo, a criança aceitar colocar uma touca na hora da aula de natação pode não ser nada demais, mas para nós que sabemos que isso aconteceu após muita terapia, é uma vitória que deve ser comemorada.
Atualmente, os momentos de escovação de dentes e corte de unhas não são mais um problema. O mesmo podemos dizer sobre o uso de calçados. Com relação ao uso de agasalhos e corte de cabelos, apesar dos avanços, continua difícil. Ainda hoje, Bê pode ficar bem irritado em ter que tirar suas roupas preferidas para colocar outras, por exemplo. Nem sempre é possível alguma negociação nesse sentido, em algum momento a troca precisa ser simplesmente imposta.
A sugestão que eu tenho para os pais e profissionais é: A criança reage de forma incomum a determinados estímulos? (Alguns exemplos: Muita irritação com barulhos, incômodo excessivo com determinados tipos de roupa, parecer não sentir dor ou frio, incômodo significativo com alguns odores ou texturas, seletividade alimentar extrema…) Não parta do princípio que a criança é “pirracenta”, “mal educada”ou algo do tipo. Procure um profissional capacitado e escute o que ele tem a dizer. Isso pode fazer a diferença na qualidade de vida daquela criança dali em diante. Vale lembrar que tais disfunções não acometem apenas indivíduos com TEA ou crianças.
Um grande abraço e até a próxima!
Érika Andrade, mãe do Bernardo, Psicóloga e administradora do instagram @maternidadeazul.
Nenhum comentário:
Postar um comentário