Pessoas com deficiência ou doenças raras são, muitas vezes desde o seu nascimento, usuárias da atenção à saúde de média e alta complexidade, demandando atendimento especializado em diversas áreas, como genética médica, neurologia, fonoaudiologia, pneumologia, fisioterapia, entre outras. Mas, assim como os demais beneficiários do Sistema Único de Saúde (SUS), elas também são recebidas na atenção primária, que funciona não apenas como porta de entrada, mas carrega o papel de proporcionar a todos, sem discriminação, um cuidado integral e inclusivo. Foi pensando nisso que a médica pediatra do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) Daniela Koeller Rodrigues Vieira teve a ideia do livro Pessoas com deficiência e doenças raras: o cuidado na atenção primária. Sexto título da Coleção Fazer Saúde, da Editora Fiocruz, publicado em 2019, a obra reúne relatos de experiências exitosas sobre o cuidado a esses segmentos da população, um assunto até então pouco abordado na produção científica brasileira.
“Com a recente ampliação da legislação para a saúde na área [a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras foi instituída por portaria do Ministério da Saúde de 30 de janeiro de 2014], fez-se necessário incluir o cuidado em rede, partindo da atenção primária, e ampliar as discussões sobre a saúde dessa população lançando mão da expertise e das ferramentas já utilizadas na Atenção Básica”, afirma Daniela sobre os objetivos do livro. “Vimos, em nossa experiência de trabalho, que, para além de ações prescritivas, é fundamental construir, com a rede de profissionais e usuários, um cuidado efetivo em todos os níveis do sistema”, complementa.
Como órgão auxiliar do Ministério da Saúde (MS) na construção e proposição de políticas de saúde nos segmentos que fazem parte do seu escopo, o IFF/Fiocruz ocupa um lugar importante no debate sobre o cuidado às pessoas com deficiência e doenças raras e na capilarização desse cuidado por toda a rede de saúde, o que está refletido na presença de vários profissionais que atuam ou que fizeram parte da sua formação no Instituto como autores da coletânea. “Centro de Referência para Doenças Raras habilitado pelo MS, único no Estado do Rio de Janeiro, IFF/Fiocruz conseguiu estabelecer essa interface entre suas diversas áreas de atuação - atenção, ensino, pesquisa e cooperação técnica -, inclusive com a criação de uma linha de pesquisa específica sobre a temática no âmbito da sua pós-graduação stricto sensu”, pontua a médica.
Ela destaca que o país conseguiu alguns avanços do ponto de vista das políticas públicas, sendo o principal deles a ampliação do cuidado para fora do nicho da reabilitação e dos especialistas, possibilitando um olhar mais inclusivo. “Nos textos das legislações anteriores, o que acontecia era a restrição da atenção primária à função de porta de entrada para o sistema de saúde. Somente com a instituição da Política, foi possível iniciar o movimento de mudança desse foco, passando-se a entender a atenção primária como locus do cuidado também para pessoas que têm doenças incomuns, muitas vezes incapacitantes e graves e cercadas por tabus”, ressalta a pediatra.
Um dos capítulos do livro aborda a questão de ampliação do acesso desses usuários ao sistema de saúde. Daniela acredita que os maiores desafios a essa conquista são o reconhecimento de que a construção de um SUS viável e que trabalha em rede é possível e fazer com que os textos das políticas se traduzam, na prática, em ações de saúde. Segundo a autora, também é preciso compreender que a atenção primária é um local não apenas de trabalho, mas de produção de cuidado e saber qualificados. Uma das características desse nível de atenção é, precisamente, a possibilidade de promover uma atenção longitudinal à saúde desses usuários, estimulando práticas que aumentem sua autonomia e capacidade de autocuidado. “Nesse sentido, a maior contribuição que a obra traz para a atenção às pessoas com deficiência ou doenças raras é tirar a lei do papel, transformando o cuidado numa coisa viva e pulsante e permitindo que usuários e profissionais possam iniciar a construção de uma realidade diferente da que vivemos hoje”, avalia a organizadora.
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