segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Criança portadora de necessidades especiais: contrapontos entre a legislação e a realidade(continuação)



Seguindo nessa mesma linha de pensamento, apresenta-se o tema sobre o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade das crianças com necessidades especiais como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na constituição e nas leis (artigo 15). No artigo 16o constam os direi-
tos de ir e vir, de brincar, de compartilhar da vida familiar e comunitária, sem discriminação, de participar, também, da vida política, na forma da lei. Na vivência cotidiana, o ir e vir se torna difícil porque vivemos em cidades desprovidas de infra-estrutura urbana para atender aqueles que possuem alguma dificuldade de locomoção. Entre as deficiências da infra-estrutura, merecem ser consideradas: as calçadas sem rampas, ruas esburacadas e desniveladas, semáforos sem sinais sonoros, prédios sem elevador, além de uma escassez de transporte público com dispositivos para cadeirantes. Essas temáticas, ao se tornarem parte da rotina diária, começam a passar de forma despercebida por aqueles considerados “normais”, ou seja, aos que não tem agredido o seu direito deir e vir. A inacessibilidade leva à privação do direito do ser humano de ir e vir, e essa situação tempermeado indiretamente a exclusão social. Os portadores de diversas necessidades especiais estão sendo vulnerabilizados pela indiferença da sociedade dita “normal” e pela marginalização do
Estado, que por vezes parece esquecer dessa parcela da população.
Outro ponto que merece uma profunda reflexão, certamente maior da que será realizada nesse momento, é em relação a educação da criança portadora de necessidades especiais. Conforme os artigos 53o e 54o do ECA, é direito da criança que a educação vise o seu pleno desenvolvimento
como pessoa, preparando-a para o exercício da cidadania, além de garantir atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Entretanto, a inclusão social da criança portadora de necessidades especiais por meio da escola mostra-se uma aquisição quase utópica diante da realidade. Na educação brasileira, as escolas, geralmente, são desprovidas de estrutura física adequada, recursos humanos especializados para atender essa população. Existe uma pesquisa que confirma que mesmo quando as escolas são projetadas ou reformadas com a preocupação da inclusão social, muitas vezes não são construídas adequadamente por falta de conhecimento dessas necessidades. A inclusão escolar pressupõe mudanças físicas e comportamentais, relacionadas a posturas frente às concepções que co-habitam na escola. Um dos embates de maior significância no ambiente escolar é o que se refere à formação dos professores para a compreensão a respeito dos cuidados à criança portadora de necessidades especiais.
A reflexão acima não altera o que se pensa a respeito da importância da escola na vida da criança e merece destaque porque a escola é considerada o ambiente no qual a criança começa a fazer parte de um grupo maior, e os seus relacionamentos com outras crianças e professores ajudam no desenvolvimento de seu autoconceito e sua auto-estima, o que representa uma mudança profunda em suas relações. Em relação a freqüentar uma escola de ensino regular, isso lhe possibilita o convívio com outras crianças não possuidoras de necessidades especiais. Portanto, o fator de maior significância desta interação consiste no fato de permitir às crianças, de modo geral, a convivência com as diferenças. Diferenças étnicas, sociais, comportamentais e físicas, que devem ser respeitadas em qualquer espaço. Provavelmente, não haja na vida humana período melhor de conscientização do que a infância para o aprendizado desses valores.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


A reflexão permitiu realizar alguns confrontos da legislação brasileira a respeito da criança portadora de necessidades especiais com a realidade encontrada na prática cotidiana. A trajetória histórica das pessoas portadoras de necessidades especiais nos revela que elas sempre foram marginalizadas, vítimas das próprias deficiências e da exclusão proporcionada pela sociedade, dita perfeita e de homens fictícios.
Desde a criação do ECA, tem-se no Brasil a legalização dos direitos das crianças indiferentemente de sua raça, crença, condições sociais e físicas; todas são consideradas cidadãs portadoras de direitos, que devem ser respeitados. Por conseguinte, a legislação em defesa da criança portadora de necessidades especiais existe, mas é necessário que se consiga colocá-la em prática. Essa prática pode ser alcançada através da conscientização das famílias em relação aos direitos das crianças portadoras de necessidades especiais, para que assim consigam ascender à autonomia que lhes permita o empoderamento do exercício da cidadania. A consciência de que possuem poder permite a essas famílias a opção de escolha: optar por tornarem-se sujeitos de sua própria existência, lutando por seus direitos, ou decidir por permanecerem submersos nessa “naturalidade” imposta.



REFERÊNCIAS

Endereço da autora / Dirección del autor /

Author’s address:

Viviane Marten Milbrath

Rua Major Francisco Nunes de Souza, 4316

96045-000, Pelotas, RS

E-mail: vivimaten@ig.com.br

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