A sexualidade ampla, independentemente de se ter
ou não uma deficiência, existe e se manifesta em todo ser humano. O
erotismo, o desejo, a construção de gênero, os sentimentos de
amor, as relações afetivas e sexuais, são expressões
potencialmente existentes em toda pessoa, também naqueles que têm
deficiências (DANIELS, 1981; ANDERSON, 2000; MAIA, 2001; BLACKBURN,
2002; KAUFMAN, SILVERBERG, ODETTE, 2003; COUWENHOVEN, 2007; SCHWIER;
HINGSBURGER, 2007).
As expressões da sexualidade são múltiplas e
variadas tanto para deficientes como para não-deficientes. Em
qualquer caso não é possível determinar se a vida sexual e afetiva
será satisfatória ou não e é importante lembrar que em diferentes
momentos da vida, dificuldades e facilidades vão ocorrer em maior ou
menor grau para todos. Entre as pessoas com deficiências o mesmo
acontece e seria injusto generalizar, rotular e estigmatizar quem é
a pessoa com deficiência - seus potenciais e seus limites - em
função de rótulos, sem considerar o contexto social, econômico,
educacional em que o sujeito se desenvolve e sem considerar a
diversidade entre as pessoas com deficiências. As pesquisas,
portanto, sobre sexualidade e deficiências têm divulgado que não é
possível afirmar a priori as dificuldades que elas terão ou não no
campo sexual (DANIELS, 1981; WOLF; ZARFAS, 1982; SALIMENE, 1995;
PINEL, 1999; BAER, 2003; KAUFMAN, SILVERBERG, ODETTE, 2003; GIAMI,
2004; MAIA, 2006; COUWENHOVEN, 2007; SCHWIER; HINGSBURGER, 2007).
Apesar dessas constatações, o que prevalece nos discursos de
leigos, familiares e da comunidade é a generalização de idéias
preconceituosas a respeito da sexualidade de pessoas com deficiência
como se essa fosse sempre atípica ou infeliz. Essas idéias são
baseadas em estereótipos sobre o deficiente mantidos por crenças
errôneas que o colocam como alguém incapaz e limitado.
Mito 1. Pessoas com deficiência são assexuadas: não têm sentimentos, pensamentos e necessidades sexuais.
Há uma idéia geral de que pessoas com
deficiências são assexuadas e isso está diretamente relacionado
com a crença de que essas pessoas são dependentes e infantis e,
portanto, não seriam capazes de usufruir uma vida sexual adulta
(FRANÇA-RIBEIRO, 2001; DENARI, 2002; KAUFMAN; SILVERBERG; ODETTE,
2003; SHAKESPEARE, 2003; GIAMI, 2004; MAIA, 2006).
O olhar para o deficiente como alguém infantil é
muito comum, porque em geral, relacionam-se à dependência aspectos
como a imaturidade emocional e a infantilidade (SCHOR, 2005; SCHWIER;
HINGSBURGER, 2007). Para Kaufman, Silverberg e Odette (2003) pode-se
ter a idade avançada, aspectos cognitivos íntegros, sentimentos de
desejo sexual, mas se for preciso ajuda para se alimentar ou se
limpar, essa pessoa é considerado pelos outros como uma criança.
Na verdade, até mesmo na infância, a sexualidade
não pode ser negada ou omitida no sentido libidinal porque ela
existe desde o nascimento e, portanto, mesmo que se considerasse o
deficiente como alguém infantil, ainda assim, ele seria uma pessoa
dotada da sexualidade (GHERPELLI, 1995; GLAT; FREITAS, 1996; PAULA;
REGEN; LOPES, 2005; MAIA, 2006). Além disso, geralmente, as funções
e desejos eróticos estarão potencialmente preservados e não
deveriam ser negados quando há algum tipo de limitação ou
deficiência. Em nenhuma situação há alguém que não seja
sexuado, a dessexualização do indivíduo é social e não
fisiológica.
Ao considerar a pessoa com deficiência como
alguém não dotado de sexualidade, negligenciam-se os cuidados
contra situações de abuso e se omitem a essas pessoas o direito de
acesso a orientação/educação sexual. Isso é um grave equivoco
que tem elevado os índices de violência, de gravidez indesejada e
doenças sexualmente transmissíveis (RUSSELL; HARDIN, 1980; EVANS;
McKINLAY, 1989; GLAT; FREITAS, 1996; TANG; LEE, 1999; PAULA; REGEN;
LOPES, 2005; MAIA, 2006). Para Kaufman, Silverberg e Odette (2003),
as pessoas com deficiências são mais facilmente vitimas de
violência sexual do que aqueles que não vivem com deficiências. O
poder abusivo de cuidadores, a falta de punição para os agressores
e o silêncio nas instituições, são situações que podem agravar
e aumentar a ocorrência de estupro ou de outras formas de violência
nas instituições.
Não se estimulam os programas de
orientação/educação sexual porque se entende que nem seria
preciso falar sobre sexo àqueles que são assexuados. Por outro
lado, há também uma crença de que se falar sobre sexo pode
estimular a prática sexual, aumentariam as chances de ocorrerem
relações sexuais e ou gravidezes e isso é temeroso para muitas
famílias, cuidadores, etc., principalmente quando há uma
deficiência cognitiva associada. Porém, a ignorância sexual acaba
sendo um grande obstáculo para que as pessoas com deficiência
possam evitar a violência e, portanto, programas de
orientação/educação sexual poderiam ajudar essas pessoas a
usufruir a sexualidade plena e saudável com responsabilidade
(RUSSELL; HARDIN, 1980; EVANS; McKINLAY, 1989; FRANÇA-RIBEIRO, 2001;
AMOR PAN, 2003; KAUFMAN, SILVERBERG; ODETTE, 2003; MAIA, 2006;
SCHWIER; HINGSBURGER, 2007).
Mito 2. Pessoas com deficiência são hiperssexuadas: seus desejos são incontroláveis e exacerbados. A expressão sexual explícita para quem tem deficiência é uma perversão.
O interesse por sexo é variável entre pessoas
com deficiências e entre não-deficientes. No caso dos deficientes o
fato das pessoas acreditarem que sua sexualidade é exagerada tem
mais a ver com a expressão pública de comportamentos sexuais do que
com a freqüência com que eles ocorrem, principalmente entre aqueles
com deficiência intelectual. Não há relação entre sexualidade
exagerada e as questões orgânicas da deficiência (AMARAL, 1995;
FRANCA-RIBEIRO, 2001; DENARI, 2002; AMOR PAN, 2003; KAUFMAN;
SILVERBERG; ODETTE, 2003; GIAMI, 2004; MAIA, 2006).
Diante do fato de que recebem poucas informações
sobre sexualidade e têm poucas oportunidades de socialização, a
expressão considerada inadequada dos desejos sexuais nas pessoas com
deficiência, refere-se à manifestação da sexualidade de um modo
grosseiro que não correspondente às regras sociais e isso prejudica
a imagem que as pessoas têm do deficiente que os colocam como
dotados de uma sexualidade atípica. Desse modo o desejo, que é
normal em todo ser humano, aparece como diferenciado e exagerado pela
sua exteriorização inadequada (ASSUMPÇÃO JUNIOR; SPROVIERI, 1993;
MAIA, 2006; SCHWIER; HINGSBURGER, 2007;).
Além disso, se o sexo funcional e normal está
relacionado ao fato de ter um corpo perfeito e for capaz de
reproduzir, qualquer outra expressão sexual que não seja sob esses
padrões pode tornar a sexualidade desviante, patológica ou
desnecessária. O sexo parece que só se torna uma necessidade quando
envolve um casal (heterossexual), vinculado ao amor romântico e à
procriação (KAUFMAN; SILVERBERG; ODETTE, 2003; SHAKESPEARE, 2003).
Se há uma deficiência que impõe dificuldades, porque haveria a
necessidade de se buscar e desejar o sexo? Não haveria outras coisas
mais importantes para uma pessoa com deficiência fazer ou pensar?
Esses questionamentos refletem uma visão preconceituosa e limitada
do ser humano com deficiência, como se ele fosse desprovido do
direito de usufruir uma vida plena em todos os sentidos
Do mesmo modo, aqueles que têm deficiência e
insistem em expressar seus desejos sexuais são tomados como
pervertidos ou atípicos. Para Kaufman, Silverberg e Odette (2003) a
crença de que essas pessoas não têm sexualidade é tanta que mesmo
entre aqueles que consideram existente a sexualidade não incluem as
pessoas com deficiência no rol dos que têm vida sexual ativa. Como
uma conseqüência disso não se imagina que as pessoas com
deficiência são vulneráveis ao contágio de doenças sexualmente
transmissíveis ou ao envolvimento em crimes sexuais. Assim, é
incomum se imaginar alguém numa cadeia de rodas ou com outras
deficiências numa relação sado-masoquista, exercendo relações de
poder e violência, abusando de menores, se prostituindo, se
travestindo etc.
Ainda nessa reflexão, pode-se dizer que entre os
profissionais, professores, familiares e até mesmo na literatura
científica não há alusão a deficientes que possam expressar
livremente uma condição homossexual. A esse respeito, inclusive, é
importante destacar que a heteronormatividade (COSTA, 1998) ocorre
também em relação às pessoas com deficiência (KAUFMAN;
SILVERBERG; ODETTE, 2003; SHAKESPEARE, 2003; MAIA, 2009a). Não se
imagina uma pessoa com deficiência sendo gay ou lésbica como parte
de sua identidade pessoal. Quando se considera uma orientação
afetiva e sexual homossexual para essas pessoas, em geral há uma
referência às brincadeiras e jogos sexuais que são comportamentos
comuns entre crianças e jovens, principalmente em instituições,
mas isso se refere às manifestações típicas do desenvolvimento e
não uma condição homoerótica de fato que pode ou não se
manifestar como um desejo libidinal. No entanto, assim como na
população em geral, há pessoas com deficiências que se
reconhecessem homossexuais e isso precisa ser levado em conta por
aqueles que pretendem respeitar a diversidade humana.
Outras questões sobre a variedade do desejo
humano são igualmente possibilidades para essas pessoas. Kaufman,
Silverberg e Odette (2003) comentam que até mesmo as parafilias, por
exemplo, podem existir entre pessoas com deficiências. Ao mesmo
tempo em que essas perversões não são imaginadas ao deficiente,
ele mesmo pode ser visto como perverso e atípico, apenas por
expressar seu desejo sexual. Para aqueles que são considerados fora
das possibilidades de sexualidade normal a expressão do desejo e o
interesse por sexo pode ser considerado perversão. É o que vemos
também entre os idosos, por exemplo, igualmente estigmatizados pela
limitação do corpo e dessexualizados pela sociedade.
(continua...)
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