As mensagens ideológicas relacionadas ao sexo divulgam-no como um direito exclusivo das pessoas jovens e bonitas. Os padrões definidores de normalidade sexual impõem um sexo que envolve protagonistas de corpo perfeito, magro, esbelto, que tenham boa saúde, etc, mas esses padrões existem para todos nós e prejudicam a todos. A possibilidade encontrar um parceiro sexual e amoroso parece depender de se corresponder a modelos de estética e de desempenho, mas isso não impede que pessoas com deficiência possam se relacionar amorosamente de modo satisfatório e gratificante (WEREBE, 1984; MOURA, 1992; AMARAL, 1995; SALIMENE, 1995; PINEL, 1999; ANDERSON, 2000; BAER, 2003; SHAKESPEARE, 2003; MAIA, 2006, SCHWIER; HINGSBURGER, 2007).
Para muitas pessoas a deficiência se sobrepõe à
questão sexual, como se o corpo deficiente aparecesse antes do corpo
sexual e inviabilizasse a satisfação da sexualidade própria. Em
algumas situações a pessoa com deficiência precisa de suportes,
como usar aparelhos e ou realizar procedimentos de esvaziamento de
bexiga e esfíncter, para viver com certa independência no cotidiano
ou mesmo para vivenciar um momento de intimidade e contato físico e
sexual. Para Kaufman, Silverberg e Odette (2003) e Puhlmann (2000), o
fato de você ter uma parte do corpo não funcional, de você
precisar de algum tipo de auxílio e ajuda em função de sua
deficiência antes de dar e receber prazer pode torná-lo degradante
e pouco erótico aos demais, mas não impede os vínculos amorosos e
sexuais.
Dificuldades de relacionamento amoroso existem
para deficientes e não deficientes. A deficiência pode representar
um estigma que prejudica a imagem para o (a) outro (a), mas não
impede a pessoa de encontrar alguém para amar e ser amado.
Dificuldades da vida marital existem para deficientes e não
deficientes. Não há provas de que deficientes separam e rompem
relacionamentos com mais frequencia do que não-deficientes (VASH,
1988; MOURA, 1992; BAER, 2003; KAUFMAN, SILVERBERG; ODETTE, 2003;
MAIA, 2006). Essa crença baseia-se num preconceito de que pessoas
com deficiências não poderiam ser desejáveis aos demais e que se
relacionar amorosamente com um deficiente seria algo deplorável e
digno de piedade.
Se toda a sociedade alimenta um estigma de que
alguém com deficiência é merecedor de piedade, a própria pessoa
com deficiência é tentada a incorporar esse preconceito em si
mesmo, o que aumenta seus sentimentos de desvalia (WEREBE, 1984;
PINEL, 1999; PUHLMANN, 2000; BAER, 2003; KAUFMAN, SILVERBERG; ODETTE,
2003; MAIA, 2006; SILVA, 2006; SCHWIER; HINGSBURGER, 2007). Diante
desses sentimentos de inadequação esquece-se que a pessoa é, antes
de tudo, um ser humano e que a deficiência é incorporada a
identidade pessoal. Não se ama a deficiência, mas o sujeito com a
deficiência. Os padrões sociais de normalidade referem-se a ser
saudável (e perfeito); muitas pessoas incorporam o medo da
deficiência porque acham que uma vida com deficiência não vale a
pena ser vivida.
São comuns os sentimentos de pena a todos aqueles
que não gozam de boa saúde ou que não correspondem a uma condição
normativa incentivando os olhares discriminativos sobre aqueles que
têm uma diferença (MOURA, 1992; BLACKBURN, 2002; KAUFMAN,
SILVERBERG. ODETTE, 2003). Se há uma crença social que atribui às
pessoas com deficiências infelicidade, incapacidade, desvalia, as
opções de expressão da sexualidade e da vida sexual ficam
prejudicadas e muitas pessoas com deficiência acabam não se
envolvendo em relações sexuais e amorosas ou não conseguindo que
essas relações sejam satisfatórias. Além disso, Maia (2009a)
lembra que, embora haja um pressuposto social do que se é desejável
amar e de quais seriam os estereótipos físicos que contam
significativamente nos processos de conquista, não se pode delimitar
a possibilidade de enamoramento a tais padrões rígidos. Muitas
vezes, o amor se estabelece no cotidiano das relações interpessoais
a partir de motivações diversas e, assim, são as características
psicológicas individuais do sujeito que consolidam uma relação de
cumplicidade amorosa e não as características exteriores, como, por
exemplo, a cor da pele, o tipo de cabelo, a massa corporal ou também
o corpo perfeito.
Os membros familiares também são atingidos pelos
preconceitos sociais que tangem as pessoas com deficiências e se
tornam importantes mediadores para ajudar o membro com deficiência a
enfrentar os desafios e dificuldades (SORRENTINO, 1990; SCHOR, 2005;
SADE; CHACON, 2008; MAIA, 2009b). Nesse sentido, as próprias
famílias das pessoas com deficiência costumam questionar se é
possível alguém não-deficiente se apaixonar e viver uma relação
amorosa e sexual com o deficiente e espera – quando compreende
seu(ua) filho(a) como sexuado, que ele(a) encontre um par amoroso
igualmente deficiente como se ela também denegrisse a representação
de uma vida saudável. Por outro lado, a família pode desejar que
seus(as) filhos(as) com deficiência namorem e se casem com
não-deficientes visando aproximá-los de uma condição normal. Em
todos os casos, o preconceito fica evidente: toda a estrutura
familiar é estigmatizada pela deficiência (OMOTE, 1999), tal como
se refere Goffman (1982) ao estigma de cortesia.
Autores como Werebe (1984), Vash (1988),
Sorrentino, 1990; Moura (1992), Amaral (1995), Blackburn (2002), Maia
(2006; 2009b) e Schwier e Hingsburger (2007) compartilham do
argumento de que a família também tem representações sobre a
sexualidade do deficiente e tanto pode facilitar os relacionamentos
interpessoais incentivando a independência e a socialização do
membro familiar deficiente, como também pode prejudicá-lo,
superprotegendo-o, isolando-o e, portanto, negando e ele
possibilidades de viver vínculos afetivos diversos, o que alimenta
ainda mais os preconceitos sociais já existentes.
Mito 4. Pessoas com deficiência não conseguem usufruir o sexo normal que é espontâneo e envolve a penetração seguida de orgasmo, por isso, são pessoas que têm sempre disfunções sexuais relacionadas ao desejo, à excitação e ao orgasmo.
Mito 4. Pessoas com deficiência não conseguem usufruir o sexo normal que é espontâneo e envolve a penetração seguida de orgasmo, por isso, são pessoas que têm sempre disfunções sexuais relacionadas ao desejo, à excitação e ao orgasmo.
A deficiência pode até comprometer alguma fase
da resposta sexual, mas isso não impede a pessoa de ter sexualidade
e de vivê-la prazerosamente (SALIMENE, 1995; PINEL, 1999; PUHLMANN,
2000; BAER, 2003; KAUFMAN; SILVERBERG; ODETTE, 2003; MAIA, 2006).
Além disso, na cultura ocidental, que herda as regras repressivas da
religião judaico-cristã, culpando o sexo que visa apenas o prazer e
não a reprodução e condenando atos como a masturbação, as
relações homossexuais, o orgasmo e o desejo acentuado de mulheres,
etc, as disfunções sexuais acabam sendo comuns justamente por conta
da intensa repressão sexual que, de diversas formas, ainda hoje
persiste (WEREBE, 1984; SALIMENE, 1995; PINEL, 1999).
As disfunções femininas, como a falta de
lubrificação vaginal e as masculinas, como a disfunção erétil e,
em ambos os sexos, a anorgasmia e inibição do desejo, em geral,
podem representar sentimentos de culpa relacionados ao sexo-prazer,
uma história repressiva e moralista em relação à sexualidade, à
afetividade e à vida sexual que dificultam o aprendizado de
sensações satisfatórias em relação ao corpo, independentemente
de se tratar ou não de uma pessoa com deficiência.
Na mesma direção também há uma crença no sexo
ideal. Para Kaufman, Silverberg e Odette (2003), a regra idealizada
de um sexo funcional e normal pode ser compreendida a partir da
observação de diversos filmes: mulheres e homens sempre disponíveis
para o sexo, beijos e penetração de todos os tipos, diferentes
posições e um orgasmo simultâneo. Shakespeare (2003) argumenta que
a crença na sexualidade normal tem como foco a genitalidade e as
funções sexuais. Além de nenhuma dificuldade aparecer na relação
sexual normativa e idealizada, também se prioriza a penetração e o
orgasmo. Baer (2003) comenta que na expressão do sexo normal e
prazeroso há a necessidade de penetração vaginal e orgasmos. A
prática sexual que não é completa com esses atributos é
considerada menor, como o sexo oral ou a masturbação, por exemplo,
mas, segundo os autores, estudos mostram que pessoas de todo tipo se
masturbam e se satisfazem com essa prática sexual.
Muitas pessoas cultivam mensagens negativas sobre
o sexo sem penetração ou falta de orgasmo. Isso tanto alimenta o
sentimento de compaixão como o sentimento de inadequação daqueles
que por necessidade ou desejo, não podem ou escolhem não ter
relações sexuais ou daqueles que precisam satisfazer-se por meio da
masturbação pela dificuldade em viabilizar relações sexuais ou
pela dificuldade de se relacionar sexualmente com penetração, a
partir da idéia de que vive um sexo incompleto e/ou infeliz.
Outro conceito normativo comum é a idéia de que
sexo é uma atividade espontânea, algo que vem naturalmente como o
amor verdadeiro. Isso também afeta a todos que buscam a satisfação
sexual a partir modelos idealizados e midiáticos, por exemplo, e
temos dificuldades em reconhecer no cotidiano que o sexo é inclui um
aprendizado (PUHLMANN, 2000; SHAKESPEARE, 2003). No caso de pessoas
com deficiência que, muitas vezes, para as relações sexuais,
precisam realizar o planejamento e as adequações do ambiente e isso
se torna um problema ainda maior porque nessas condições o sexo não
será nunca espontâneo; isso, no entanto, não inviabiliza a
possibilidade de sentimentos de prazer e satisfação sexual.
Sexualidade, portanto, é social e cultural.
Aprende-se, em diferentes culturas, o sentido do prazer, do desejo,
do erotismo humano e damos significados diferentes para o que se
define como amor, fidelidade, casamento, paquera, etc. Em todas essas
situações do erotismo humano, reproduzem as concepções sociais
internalizadas. Costa (1998), por exemplo, lembra que o amor
romântico é uma invenção cultural que nada tem de natural e
universal, nem é um sentimento incontrolável e nem mesmo pode ser
relacionado à garantia de felicidade eterna. A partir da cultura e
da educação há uma construção sobre a escolha de nossos objetos
amorosos e não é verdadeiro o fato de que todos são alvos
desejáveis, embora não percebamos isso conscientemente. Nesse
sentido, o amor, assim como o sexo e o desejo são influenciados
pelas concepções sociais de normalidade que destroem qualquer
possibilidade de se desejar espontaneamente. Diz o autor:
Sentimo-nos atraídos sexual e afetivamente por
certas pessoas, mas raras vezes essa atração contraria os gostos ou
preconceitos de classe, "raça", religião ou posição
econômico-social que limitam o rol dos que "merecem ser amados"
(...). O amor é seletivo como qualquer outra emoção presente em
códigos de interação e vinculação interpessoais (COSTA, 1998,
p.17).
A própria sociedade dificulta a possibilidade de
pessoas com deficiência de exercerem a sexualidade porque não
disponibiliza igualmente para todas as oportunidades de privacidade
que se torna uma barreira para muitas pessoas com deficiência para
exercer uma sexualidade positiva, o que é ainda mais evidente em
instituições onde o controle e a vigilância não permitem a
privacidade e o fato dela não existir se soma à concepção de que
o sexo vai ser inexistente, perigoso ou dificultoso para essas
pessoas (WEREBE, 1984; PINEL, 1999; MAIA, 2006; SCHWIER; HINGSBURGER,
2007). A maioria das instituições nega aos seus alunos, clientes e
residentes o direito de serem sexuais. Em internatos, as mensagens
são claras: a expressão da sexualidade não é algo aceitável. Não
se tranca a porta, não há nenhum momento de privacidade e os
cuidadores tratam do sujeito como objeto. É comum tratá-los na 3ª
pessoa, mesmo na presença deles, e controlar o que fazem (KAUFMAN,
SILVERBERG; ODETTE, 2003). O diálogo é pouco e não se conhece, nem
se procura ouvir, suas necessidades, desejos relacionados à vida
como um todo e, principalmente, à sexualidade.
Segundo Kaufman, Silverberg e Odette (2003) há
também no imaginário social uma idéia de que as coisas ruins só
aconteceriam para pessoas ruins, como contrair uma doença grave,
sofrer um acidente ou ter um sério problema, porque elas mereceriam
Ocorre que acreditar nesse destino culposo é pouco produtivo para se
lutar contra as adversidades da vida. No caso da vida sexual, se essa
exige sofrimento e desgaste, acaba sendo justificada como um castigo
merecido o que leva a sentimentos depressivos e comportamentos
passivos, também em relação à expressão da sexualidade. Afastar
a possibilidade de um sexo prazeroso acaba sendo uma crença
incorporada pelo próprio sujeito com deficiência que acredita que
ele não pode gozar de uma vida sexual e afetiva como os demais,
porque não a merece.
(Continua...)
(Continua...)
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