terça-feira, 14 de outubro de 2014

Rain Man – Um olhar sobre o Autismo e a Síndrome de Savant(Final)

Mais do que a herança, o que Charles buscava ao fim da viagem que fez com Raymond, era recuperar sua família. Buscava um afeto que Raymond não conseguia retribuir. Mas, como as nuances do autismo ainda são complexas demais para o nosso entendimento, talvez, em algum nível, na mente de Raymond essa proximidade provocou alguma modificação. Mesmo que tal fato não seja expresso de uma forma que, no momento, tenhamos condição de identificar.
O estudo da mente tem várias vertentes, que refletem nas mais diversas situações. Doenças como a Síndrome de Savant podem contribuir para um melhor entendimento de como se dá o processo de aprendizagem, mais especificamente a parte do processo relacionado à memorização. Que diferenças estruturais existem nos cérebros dessas pessoas? O que possibilita a execução de ações extraordinárias, como a memorização de uma sinfonia de Beethoven ou de uma obra de Shakespeare? Por que a execução de algo extraordinário é feita de forma tão fácil enquanto ações simples, como amarrar o cadarço do sapato, não?
Para Treffert (2009),
nenhum modelo da função cerebral, incluindo a memória, estará completo até que se possa explicar e incorporar plenamente a condição rara, mas espetacular, da Síndrome de Savant. Na última década, particularmente, muito progresso tem sido feito para explicar esta justaposição dissonante de capacidade e incapacidade, mas muitas perguntas continuam sem resposta.
Para ele, as inovações tecnológicas no campo da tomografia computadorizada e da ressonância magnética serão cruciais nessas investigações. Pois, elas fornecem imagens de alta resolução de toda a arquitetura do cérebro (superfície e profundidade), o que permite uma inspeção detalhada da sua estrutura. Treffert (2009) acrescenta ainda que “estudos das funções do cérebro, tais como a tomografia por emissão de pósitrons (PET), tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT – sigla da expressão em inglês) ou a ressonância magnética funcional, são técnicas muito mais informativas sobre a Síndrome de Savant e, inclusive, do próprio autismo, uma vez que estas novas técnicas fornecem informações sobre o cérebro em funcionamento, ao invés de simplesmente visualizar a arquitetura do cérebro”.

O autismo colocou Raymond em um mundo à parte enquanto que a Síndrome de Savant transformou-o em um prodígio no uso da memória. Em alguns estudos, busca-se no reforço desses talentos, uma forma de inclusão social, já que a pessoa passa a se sentir útil em um dado contexto. Uma dessas pesquisas foi relatada em Treffert (2009):
Clark (2001) desenvolveu um currículo de habilidade savant usando uma combinação de estratégias bem-sucedidas e atualmente empregadas na educação de crianças superdotadas (enriquecimento, aceleração e orientação) e educação de autistas (suportes visuais e histórias sociais) em uma tentativa de canalizar e aplicar, de forma útil, as habilidades, muitas vezes pouco funcionais e obsessivas, de um portador da Síndrome de Savant. Este currículo especial foi muito bem sucedido na aplicação funcional das habilidades Savant e produziu uma redução global do nível dos comportamentos autistas em muitos aspectos. Melhorias no comportamento, nas habilidades sociais e acadêmicas foram observadas, juntamente com o ganho nas habilidades de comunicação em dados contextos.
A expressão “fazer do mundo um lugar melhor”, nesse contexto, deixa seu sentido macro e volta-se para o interior do indivíduo. Talvez possamos usar a ciência para construir pontes entre os universos que compõem a natureza de cada um de nós.
 
Referências:
DSM-IV. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Disponível em: http://www.psicologia.pt/instrumentos/dsm_cid/dsm.php
TREFFERT, D. A. The savant syndrome: An extraordinary condition. A synopsis: Past, present, future. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences 364 (1522): 1351–7, 2009. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2677584/

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