15/10/2009 - Marco Antonio de Queiroz - MAQ.
A maioria das pessoas, inclusive as com deficiência, muitas
vezes utilizam termos conceitualmente inadequados para designar pessoas
que possuem alguma deficiência.
Alguns desses termos, que um dia já foram oficiais, como
"deficientes", pessoas deficientes", "portadoras de deficiência" ou
"portadoras de necessidades especiais", persistem no tempo, na memória
coletiva, sendo muitas vezes preservados e reafirmados pelos títulos de
entidades civis e governamentais que não têm como se livrar de
burocracias oficiais para atualizarem seus nomes. Um exemplo disso é a
Associação de Assistência à Criança Defeituosa - AACD, hoje denominada
Associação de Assistência à Criança Deficiente. Outro exemplo é o da
própria CORDE como "Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência" que, após 20 anos com esse nome, recentemente
passou de coordenadoria para o status de subsecretaria como
Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com
Deficiência, dessa vez, porém, sendo um bom exemplo de atualização.
Para a jornalista Maria Isabel da Silva, em seu artigo "Por que a
terminologia 'pessoas com deficiência'?", os termos utilizados possuem
importância porque "Na maioria das vezes, desconhece-se que o uso de
determinada terminologia pode reforçar a segregação e a exclusão.(...) e
(...) "Além disso, quando se rotula alguém como "portador de
deficiência", nota-se que a deficiência passa a ser "a marca" principal
da pessoa, em detrimento de sua condição humana".
Segundo Romeu Kasumi Sassaki, "a tendência é no sentido de parar de
dizer ou escrever a palavra "portadora" (como substantivo e como
adjetivo). A condição de ter uma deficiência faz parte da pessoa e esta
pessoa não porta sua deficiência. Ela tem uma deficiência. Tanto o verbo
"portar" como o substantivo ou o adjetivo "portadora" não se aplicam a
uma condição inata ou adquirida que faz parte da pessoa. Por exemplo,
não dizemos e nem escrevemos que uma certa pessoa é portadora de olhos verdes ou pele morena.". (livro Vida Independente: história, movimento, liderança, conceito, filosofia e fundamentos. São Paulo: RNR, 2003, p. 12-16).
No histórico que Maria Isabel da Silva menciona em seu artigo,
percebe-se que a terminologia foi se amoldando à sua época: "Até a
década de 1980, a sociedade utilizava termos como "excepcional",
"aleijado", "defeituoso", "incapacitado", "inválido"... Passou-se a
utilizar o termo "deficientes", por influência do Ano Internacional e da
Década das Pessoas Deficientes, estabelecido pela ONU, apenas a partir
de 1981. Em meados dos anos 80, entraram em uso as expressões "pessoa
portadora de deficiência" e "portadores de deficiência". Por volta da
metade da década de 1990, a terminologia utilizada passou a ser "pessoas
com deficiência", que permanece até hoje."
Alguns argumentos são repetidos entre pessoas com deficiência a
respeito das inúmeras designações atribuídas a elas, como a de que
"deficiente" não se remete à deficiência que se tem, mas à qualidade de
não ser eficiente.; que "pessoa deficiente" acentua uma qualidade de
ineficiência na pessoa; que, caso se portasse uma deficiência,
poderia-se deixá-la em casa e partir sem ela e que, assim, não se porta
ou não uma deficiência, tem-se uma deficiência; que "portadores de
necessidades especiais", após tanta luta pela igualdade na diferença,
que ser "especial" exclui a pessoa do todo, da igualdade, remetendo-se
somente à diferença. Por outro lado, "pessoa com deficiência" reproduz
uma verdade, que é a de se ter uma deficiência, aliada ao fato de que
essa deficiência é de uma pessoa. Dessa forma, pessoas com deficiência,
alunos com deficiência, trabalhadores com deficiência é o que vem sendo
utilizado por pessoas que se interessam pelo assunto e pelo conceito.
A
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
aprovada pela Assembléia da ONU em 2006, assinada pelo Brasil e outros
cerca de 80 países em 2007 e ratificada em 2008 pelo Congresso Nacional,
foi criada por governos, instituições civis e pessoas com deficiência
de todo o mundo e acabou por oficializar o termo "pessoas com
deficiência" em seu próprio título, além de o reafirmar em todos os seus
artigos, especialmente no artigo de número 1:
O propósito da presente Convenção é o de promover,
proteger e assegurar o desfrute pleno e equitativo de todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com
deficiência e promover o respeito pela sua inerente dignidade.
Pessoas com deficiência são
aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
Esse texto procura incentivar o uso da terminologia correta, oficial
e proposta pelas próprias pessoas com deficiência que colaboraram na
construção desse fantástico tratado de Direitos Humanos que é a
Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e que, aos poucos,
vai se espalhando pelo mundo.
Em geral, a pessoa com deficiência, que é caracterizada por sua
fragilidade e não por suas qualidades, vai conseguindo se mostrar a
todos, antes por ser pessoa do que por possuir uma deficiência.
Entretanto este é um processo de lenta assimilação, onde a linguagem
possui o seu papel de reveladora de conceitos, mitos, evolução e
transformação. Dessa forma, o termo "pessoas com deficiência" está,
nesse momento, revelando-se como um ponto da história em que pessoas que
têm deficiências se integram à sociedade e esta as inclui.
Assim, Maria Isabel da Silva, em seu artigo em que este texto foi
baseado, expressa o papel da linguagem no revelar do olhar da sociedade
sobre as pessoas com deficiência: " A construção de uma verdadeira
sociedade inclusiva passa também pelo cuidado com a linguagem. Na
linguagem se expressa, voluntária ou involuntariamente, o respeito ou a
discriminação em relação às pessoas com deficiência. Por isso, vamos
sempre nos lembrar que a pessoa com deficiência antes de ter deficiência
é, acima de tudo e simplesmente: pessoa."
Fonte: http://www.bengalalegal.com/pessoas-com-deficiencia