quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Intuição dos pais é crucial na hora de achar a melhor terapia antiautismo

Theo, que tem autismo, e sua mãe, Andréa Werner, que descobriu na prática a melhor forma de interagir com o filho
Theo, que tem autismo, e sua mãe, Andréa Werner
Suspeitar que o filho ou a filha tem autismo e receber o diagnóstico definitivo nunca é fácil para os pais. Depois do baque, inicia-se uma saga em busca das melhores abordagens terapêuticas e atividades para permitir que a criança se desenvolva da melhor maneira possível. O problema é saber de antemão o que vai funcionar em cada caso.

Desde a década de 1940 os cientistas buscam entender o transtorno crônico, que altera o funcionamento normal do sistema nervoso e o comportamento, afetando habilidades sociais e de comunicação. Hoje, o autismo faz parte de um grupo maior de doenças conhecido como transtornos do espectro autista (TEA).

"Espectro" não aparece aí por acaso –há uma miríade de combinações possíveis de sinais e sintomas e suas gravidades. Por exemplo, respostas a estímulos externos, como sons ou ao toque de diferentes materiais, podem ser exacerbadas em alguns e neutras em outros. Na prática, não há dois autismos iguais, segundo a sabedoria de pais e especialistas.

"A mãe acaba virando uma especialista no autismo do próprio filho", relata a psicopedagoga Fausta Cristina Reis, mãe de Milena, 13, que tem autismo.

Essa unicidade de cada paciente faz com que os pais ganhem um papel crucial para definir qual é a melhor estratégia para seu filho ou filha. No caso de Fausta e Milena, a estratégia passou do ABA (sigla em inglês para análise comportamental aplicada) para uma outra, conhecida como DIR Floortime.

O ABA é uma abordagem mais clássica e consiste na intervenção de uma terapeuta que, por meio de tarefas e perguntas, tenta encorajar comportamentos positivos (com recompensas e elogios, por exemplo) e desencorajar os negativos, de modo a obter melhora em uma série de habilidades, auxiliando a criança a fazer contas e ampliar o vocabulário, por exemplo. A grande vantagem é que o progresso pode ser mensurado ao longo do tempo.

Já outras abordagens, como aquelas conhecidas como interacionistas (como O DIR Floortime), são mais difíceis de ter seu impacto mensurado. O motivo é que elas se baseiam em características e interesses individuais – e não são direcionadas para objetivos estabelecidos a priori.

Se uma criança gosta, por exemplo, de rodar a roda de um carrinho de brinquedo, o pai ou terapeuta pode participar dessa atividade e sugerir incrementos para que a brincadeira fique mais rica –talvez a criança ache uma boa ideia brincar fazendo o carrinho andar, explica Fausta, que mantém o blog "Mundo da Mi"

TESTADA E APROVADA

Uma intervenção apelidada de Pact (sigla em inglês para terapia de comunicação social mediada pelos pais) que, como diz o nome, conta com os pais como agentes terapêuticos, teve sucesso em um teste de longo prazo –algo ainda raro nos casos das terapias para tratar crianças com autismo. O estudo saiu nesta semana na revista médica inglesa "The Lancet".

Após quase seis anos do treinamento dos responsáveis por crianças autistas, os benefícios comportamentais se mantiveram e foram superiores ao tratamento convencional. Houve melhora com relação à interação com os pais e na sociabilidade, ambos avaliados de forma cega, ou seja, sem o avaliador saber por qual tipo de intervenção a criança passou.

O Pact foi desenhado para ser usado em crianças de 2 a 4 anos e consiste em treinar os pais (ao longo de um ano) em como lidar com as particularidades de seus filhos.

Os pais já sabiam, de forma intuitiva, o que fazer, mas faltava testar a hipótese. Andréa Werner, mãe do Theo, de 8 anos, aprendeu "na raça" que o filho não era fã de brinquedos.

"Compramos trem elétrico, carrinho e um monte de coisas pensando que talvez o Theo gostasse. Depois de muita frustração, descobrimos que ele não gosta de brinquedo. Ele gosta de abraçar, de cócegas, de ser jogado para cima, de fazer cabaninha –e é aí que investimos o nosso tempo", explica.

Theo ainda não fala e isso acaba sendo mais um desafio e tanto para que os pais conheçam o mundo dele e possam avaliar a eficácia de abordagens terapêuticas. "Às vezes os pais vão deixando de falar com a criança porque ela não responde. Tem de haver esse esforço, mesmo que pareça que eu estou falando sozinha", diz Andréa.

Com a dificuldade natural para a linguagem simbólica, interagir com a criança é complicado. "Mas a formação de vínculo e afetividade é importante para o desenvolvimento de cada criança, inclusive do autista", diz Andréa, que escreveu o livro "Lagarta Vira Pupa" (CR8, 176 págs.), onde relata sua experiência no tema. Ela tem um blog com o mesmo nome.

Para ela, o maior desafio é conseguir ajustar as abordagens ao longo do tempo, de acordo com as necessidades de cada faixa etária. Atualmente Theo tem agenda cheia: ABA, natação, escola, fonoaudióloga... e brincar com a mãe.

DÚVIDAS E INCERTEZAS

Muitos pais, quando não sabem bem como lidar com o autismo de seus filhos, acabam recorrendo a fórmulas prontas, que funcionaram em outros casos.

Mas a imitação pode não dar certo, seja porque as estratégias não se adequam ao tipo de autismo ou porque simplesmente elas não têm respaldo racional ou empírico.

É o caso de algumas dietas sem leite ou glúten (quando não há alergia) ou que se valem de suplementação com aminoácidos, minerais e ou vitaminas.

"Tem gente usando câmara hiperbárica (alta pressão) e tentativas de quelação [remoção] de metais pesados, o que não faz sentido", diz a psiquiatra infantil Daniela Bordini, da Unifesp.

"Muitas pessoas prescrevem as suas intervenções com coisas que funcionaram para o seu filho, mas boa parte desses tratamentos não tem uma base conceitual sólida, muito menos dados empíricos ou ensaios controlados. Ou seja, virtualmente não é nada", diz Guilherme Polanczyk, professor de psiquiatria da criança da USP.

Até mesmo para os tratamentos mais tradicionais e sabidamente efetivos é difícil fazer ensaios controlados (quando um grupo sofre a intervenção e outro, não). Isso faz com que haja poucos dados para um análise definitiva sobre o que auxilia no tratamento do autismo no longo prazo.

"Os efeitos das terapias não são tão grandes ou demoram para aparecer. Como é uma área que carece de evidências, ela fica aberta para opiniões pessoais e evidências particulares, o que pode trazer riscos significativos", diz Polanczyk.

Um exemplo clássico é a falaciosa correlação entre autismo e vacinação –já desmentida diversas vezes, mas cujo estrago provocado ainda pode ser observado sempre que a questão vem à tona.

"Por enquanto, não há remédio. A medicação, quando receitada, é para sintomas-alvos como irritabilidade e insônia", explica Daniela.

A doença atinge cerca de 1 a cada 100 crianças e é de 4 a 5 vezes mais comum em meninos.

Folha de S. Paulo

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