Colégios limitam nº de estudantes com demanda de atenção especial por classe, sob justificativa de não ter condição de ofertar ensino de qualidade e atender todos que buscam esse atendimento. Lei proíbe negar matrícula ou restringir acesso
Isabela Palhares, O Estado de S.Paulo
SÃO PAULO - Quando o filho completou 4 anos, Elaine Kiss, como a maioria dos pais, começou a procurar escola. Para a sua surpresa, todos os colégios diziam não ter mais vaga. As escolas não estavam lotadas, mas não tinham lugar para crianças como Gustavo, que é autista. A lei proíbe negar matrícula a alunos com deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento, como o autismo, mas instituições particulares afirmam ter número máximo de vagas para estudantes com deficiência. A justificativa dos colégios é a dificuldade de receber várias crianças ou adolescentes com esse perfil, que demanda outros tipos de atenção.
‘Dez escolas recusaram matrícula para o meu filho. Quando ligava, perguntando se havia vaga, todas diziam que tinham’, afirma Elaine Foto: Werther Santana/Estadão
“Dez escolas recusaram matrícula para o meu filho. Quando ligava, perguntando se havia vaga, todas diziam que tinham e agendaram horário para eu ir conhecer o espaço. Quando eu dizia ou viam que o Gustavo é autista, na mesma hora falavam que as vagas para deficientes já estavam preenchidas”, conta Elaine, de 37 anos. Após dois anos de busca, Gustavo, hoje com 6 anos, vai começar a frequentar em agosto as aulas em um colégio particular na zona leste de São Paulo.
Mãe de Giovana, de 11 anos, também autista, Elaine sabia que as justificativas dos colégios não eram amparadas por lei, mas preferiu não insistir na matrícula. “Uma diretora disse que já tinha outras crianças com deficiência e, se aceitasse meu filho, deixaria de ser escola regular. Sabia que era mentira e ilegal, mas não queria deixar meu filho nesse lugar.”
Em junho de 2016, o Supremo Tribunal Federal validou as normas do Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015, proibindo escolas privadas de recusar matrícula sob qualquer justificativa ou de cobrar valores adicionais nas mensalidades do aluno com deficiência. A lei, assim como normas anteriores, não prevê número máximo de crianças com deficiência por turma ou escola. São comuns, no entanto, relatos de pais que ouviram das escolas justificativas sobre um “limite” de capacidade.
Demanda. Como muitas escolas criam empecilhos para matricular alunos com deficiência, segundo especialistas, unidades consideradas melhores no atendimento de estudantes desse tipo costumam ter maior procura pelas famílias e podem ficar sobrecarregadas.
A Red House International School, em Higienópolis, na região central de São Paulo, usa abordagens de ensino desenvolvidas pelo National Autism Center (EUA). O órgão recomenda, para um trabalho eficiente de inclusão e aprendizagem, proporção de 30% de alunos com alguma necessidade de intervenção pedagógica por turma.
“Atendemos o número máximo possível para beneficiar tanto a criança de inclusão, como as demais. Cada aluno tem um plano individual de ensino com um currículo adaptado para suas necessidades, materiais adaptados, assistência diferente. Se aceitarmos mais do que isso por turma, esse trabalho se perde”, explica a diretora Denise Liam. Dos 170 alunos da escola, 18% têm alguma deficiência.
Ela explica que a proporção não é rígida e avaliada a cada caso. No 3.º ano do ensino fundamental, 4 de 12 alunos são autistas. “Esses números nos garantem boa educação. Quando os pais me procuram e não tenho condições pedagógicas de aceitar a criança, explico e ajudo a encontrar outra escola que vá garantir bom trabalho de ensino.” O colégio vai inaugurar uma nova unidade em 2019.
No Colégio Anglo 21, zona sul, a coordenação tenta colocar uma criança com deficiência por turma, especialmente em séries iniciais. Diz que, ao longo do ano, perceberam que outros alunos acabam sendo diagnosticados com alguma síndrome ou transtorno. “Por esse cenário triste e grave de exclusão em outros lugares, muitas famílias não avisam a escola com antecedência. Ou, e é o que ocorre na maioria das vezes, o diagnóstico ainda não está fechado pelos médicos”, explica a coordenadora, Ana Clara Bin.
Ludmila Harabura, de 41 anos, matriculou Felipe, de 8, no Anglo 21, aos 3 anos. Com paralisia cerebral, ele tem dificuldade de locomoção e na fala, mas, com adaptações feitas no material didático, acompanha o mesmo conteúdo que os colegas. “Aprende a mesma coisa, mas de forma diferente. A escola entendeu que precisava adaptar o material, as aulas e a forma de ensino. Não era o Felipe que tinha de se adaptar”, diz a mãe.
Na turma, é o único com deficiência. Para Ludmila, a escola teria condições de atender mais de uma criança com deficiência por sala, mas acredita que a atenção pode ficar “diluída”. “O diferencial foi o poder de adaptação da escola. Se tivessem de fazer isso com duas ou três crianças na mesma sala, usar estratégias e materiais diferentes, não sei se a qualidade seria a mesma. É um dilema.”
Demanda. Como muitas escolas criam empecilhos para matricular alunos com deficiência, segundo especialistas, unidades consideradas melhores no atendimento de estudantes desse tipo costumam ter maior procura pelas famílias e podem ficar sobrecarregadas.
A Red House International School, em Higienópolis, na região central de São Paulo, usa abordagens de ensino desenvolvidas pelo National Autism Center (EUA). O órgão recomenda, para um trabalho eficiente de inclusão e aprendizagem, proporção de 30% de alunos com alguma necessidade de intervenção pedagógica por turma.
“Atendemos o número máximo possível para beneficiar tanto a criança de inclusão, como as demais. Cada aluno tem um plano individual de ensino com um currículo adaptado para suas necessidades, materiais adaptados, assistência diferente. Se aceitarmos mais do que isso por turma, esse trabalho se perde”, explica a diretora Denise Liam. Dos 170 alunos da escola, 18% têm alguma deficiência.
Ela explica que a proporção não é rígida e avaliada a cada caso. No 3.º ano do ensino fundamental, 4 de 12 alunos são autistas. “Esses números nos garantem boa educação. Quando os pais me procuram e não tenho condições pedagógicas de aceitar a criança, explico e ajudo a encontrar outra escola que vá garantir bom trabalho de ensino.” O colégio vai inaugurar uma nova unidade em 2019.
No Colégio Anglo 21, zona sul, a coordenação tenta colocar uma criança com deficiência por turma, especialmente em séries iniciais. Diz que, ao longo do ano, perceberam que outros alunos acabam sendo diagnosticados com alguma síndrome ou transtorno. “Por esse cenário triste e grave de exclusão em outros lugares, muitas famílias não avisam a escola com antecedência. Ou, e é o que ocorre na maioria das vezes, o diagnóstico ainda não está fechado pelos médicos”, explica a coordenadora, Ana Clara Bin.
Ludmila Harabura, de 41 anos, matriculou Felipe, de 8, no Anglo 21, aos 3 anos. Com paralisia cerebral, ele tem dificuldade de locomoção e na fala, mas, com adaptações feitas no material didático, acompanha o mesmo conteúdo que os colegas. “Aprende a mesma coisa, mas de forma diferente. A escola entendeu que precisava adaptar o material, as aulas e a forma de ensino. Não era o Felipe que tinha de se adaptar”, diz a mãe.
Na turma, é o único com deficiência. Para Ludmila, a escola teria condições de atender mais de uma criança com deficiência por sala, mas acredita que a atenção pode ficar “diluída”. “O diferencial foi o poder de adaptação da escola. Se tivessem de fazer isso com duas ou três crianças na mesma sala, usar estratégias e materiais diferentes, não sei se a qualidade seria a mesma. É um dilema.”
Recusas
Para Fernanda Maria Correia, de 42 anos, a escola ideal só apareceu após várias rejeições. Ela tirou o filho Davi, autista e com 9 anos, de um colégio privado de Belo Horizonte por causa de agressões físicas e psicológicas. Foi em busca de outras unidades.
“Em uma das escolas, a coordenadora dizia que não tinha condições de fazer a inclusão de mais de uma criança em uma turma com 30. Ela me mostrou o livro e me perguntou se achava que ele conseguiria acompanhar. Usam argumentos tão absurdos que eu mesma não quis deixá-lo naquele colégio.” Por fim, uma escola privada abrigou Davi, hoje no 2.º ano do fundamental, após discutir com a família e terapeutas a melhor forma de incluir a criança.
Vários colégios não querem se adaptar, afirma especialista
A maioria das escolas, segundo especialistas, entende que não é sua missão atender alunos com deficiência. E nem toda necessidade de intervenção pedagógica, defendem, deve ser tratada da mesma maneira.
Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da Unicamp, Maria Teresa Mantoan diz que a lei e as escolas não podem fixar limite de alunos com deficiência, pois estariam “embutindo a noção de que esse aluno é um fardo”. Os pais, diz, devem denunciar esse tipo de prática ao Conselho Estadual de Educação ou ao Ministério Público. Entre as sanções possíveis, a escola pode ser multada.
“É claro que os pais vão buscar aquelas que se mostram mais abertas e isso sobrecarrega algumas unidades. Temos de cobrar esse posicionamento de todas, muitas escolas se isentam dessa responsabilidade porque não querem se adaptar”, diz Maria da Paz Castro, assessora de educação inclusiva em escolas particulares.
Para ela, que foi capacitadora do Centro de Estudos da Escola da Vila, “cotas”, além de ilegais, podem criar distorções. A demanda de um aluno com síndrome de grau mais grave não é a mesma de um com dislexia leve. “Crianças com deficiência não trazem problemas, mas revelam problemas que escolas têm e tentam empurrar para debaixo do tapete.”
Em nota, o Ministério da Educação (MEC) destacou que nenhuma escola, pública ou particular, pode rejeitar matrícula de crianças com deficiência. A Secretaria de Estadual de Educação de São Paulo também informou que não restringe o número de alunos com deficiência por sala e que, anualmente, amplia e atualiza as ferramentas de inclusão. Em todo o Estado, são mais de 65 mil estudantes com deficiência matriculados.
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