Como lidar com alunos em situação de inclusão na retomada presencial?
Ciça Melo paara o Incluir para Crescer
É certo que no início desta pandemia as necessidades específicas das pessoas com deficiência foram negligenciadas. A Unesco foi uma das primeiras organizações a se pronunciar sobre o assunto. Aqui no Brasil, o Instituto Rodrigo Mendes apresentou um trabalho bem completo, falando sobre experiências em outros países.
É clichê falarmos que em toda crise existem oportunidades. Mas não podemos deixar de avaliar os pontos positivos (e tirar proveito deles), até porque sabemos que muitas vezes nossa tendência é olhar apenas para os negativos. Algumas famílias nos relataram que seus filhos com maior dificuldade de concentração podiam pausar o vídeo por exemplo. Outras disseram que seus filhos gostavam de andar e que, em casa, estavam andando enquanto assistiam às aulas. Houve quem falasse sobre a possibilidade de rever as aulas e assim tirar melhor proveito daquelas que eram mais difíceis. Vimos na prática algo que o Paratodos já falava há tempos: a inovação tecnológica pode permitir uma sala menos homogênea e mais individualizada. A tecnologia facilita a criação de estratégias distintas, levando em consideração necessidades específicas dos alunos.
Neste período, ouvimos muitos relatos de vários professores fazendo a diferença. Educadores que não queriam deixar nenhum aluno para trás e buscaram ferramentas para que todos seus alunos pudessem participar. Houve quem utilizasse outros alunos para explicar aos demais, o que sempre chamamos de mediadores naturais ou uso dos pares como mediadores. Vimos, ainda, equipes muito mais unidas e trocando experiências entre si, o que é muito necessário para os alunos em situação de inclusão.
Neste momento, quando começamos a discutir de forma mais clara sobre a possibilidade de retomada presencial, a principal pergunta tem sido: “Quem define se o aluno em situação de inclusão volta presencialmente para escola? A família, a escola ou o médico?”. Importante ressaltar que não há relação direta entre risco e deficiência. Os países que fizeram esta correlação foram extremamente criticados. Aqui no Brasil o primeiro parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) publicado em 7/7/20 foi duramente desaprovado, o que os levou a uma retratação e revisão. Da mesma forma que não podemos generalizar “todas as crianças com deficiência devem retornar presencialmente no primeiro momento”, não podemos fazer o inverso também.
Para decidir, sugerimos que haja uma nova avaliação desta criança ou adolescente. Precisamos saber desta família: o que estes alunos sabem sobre o que vem acontecendo, o que sofreram neste período, qual nível do medo, entre outras perguntas. Família, escola e equipe de atendimento (seja um médico, um fonoaudiólogo, um terapeuta ocupacional ou um psicólogo) precisam conversar e avaliar em conjunto os riscos e os benefícios desta volta.
Também é necessário avaliar se há novas necessidades específicas neste momento, tais como o uso de máscaras com visores pelos educadores que convivem com pessoas com deficiência auditiva. Ou avaliar os casos de alunos que não conseguiram permanecer com as máscaras devido deficiências físicas nos membros superiores ou questões sensoriais (muito comum nos casos de pessoas que estão dentro do espectro do autismo). Tudo isto deverá fazer parte desta avaliação conjunta e individual para cada estudante. Entendemos que algumas recomendações podem inclusive, ajudar a todos, tal como a máscara com visor.
É provável, ainda, que crianças com deficiência precisem de um acolhimento maior e um novo período de adaptação. Isto precisa ser previsto e acordado com as famílias. Talvez seja necessário um horário adaptado no início e que seja aumentado conforme o ajustamento de cada um. Como falamos acima, neste retorno será necessário um diagnóstico de todos os alunos, em especial dos alunos com questões de aprendizagem. Avaliar se as perdas do período será essencial para elaboração de estratégias de ensino e aprendizagem adequadas a cada um.
Importante ressaltar que muitos alunos em situação de inclusão apresentam restrições alimentares ou horários específicos para se alimentar. No novo modelo (onde muitas escolas não utilizarão o refeitório), isto também precisa ser levado em consideração. Em todos os protocolos a que tivemos acesso, temos visto a importância da comunicação dos novos procedimentos. Mais uma vez é preciso pensar nos alunos com deficiência e ter a certeza de que as informações espalhadas pelas escolas estão sendo sempre compreendidas por todos.
Uma outra orientação, que tem dado muito resultado, é que a escola promova e/ou incentive a realização de reuniões menores entre algumas famílias, principalmente no caso das crianças menores, nem que sejam encontros rápidos, para mostrar um bichinho de pelúcia, dar um tchau, contar uma estória, por exemplo. O ideal é algo menor onde a criança que venha apresentando mais dificuldade em participar, tenha mais oportunidade para fazê-lo efetivamente. Para os mais velhos, sugerimos propiciar ou estimular telefonemas com vídeos para aumentar a socialização e propor mais trabalhos em grupos que os obrigam a estarem juntos neste momento.
Ainda temos orientado, desde o início das aulas remotas, momentos individuais com estes alunos, onde eles possam ter uma educação mais personalizada. Neste momento (onde o retorno se aproxima), acreditamos que estes devam ser ampliados. No caso da dificuldade dos professores em realizarem estes encontros, os profissionais de apoio da escola ou auxiliares podem fazer este papel. No retorno presencial, será muito importante a presença dos mesmos e o uso de máscaras com visores transparentes por eles. Entendemos que acolhimento dos professores em relação às dúvidas e os medos na relação com as crianças com deficiência pode ser ainda maior neste momento. Essencial que todas as dúvidas sejam sanadas, visto que um adulto seguro traz segurança para as crianças.
Por falar em segurança, a família precisa também estar segura, e aqui entra novamente a importância do diálogo. E, nesta parceria, pensarmos todos juntos em ANTECIPAÇÃO e HABITUAÇÃO. O que pode ser feito neste momento? As famílias podem, por exemplo, iniciar com o hábito do uso de máscaras, promover saídas “teste” e retomar as terapias presenciais, sempre avaliando os riscos e pensando nas possibilidades de cada um. Para antecipação, as escolas podem enviar vídeos com as alterações físicas, mostrando as salas, com os professores enviando mensagens específicas. E até mesmo combinar com algumas famílias uma ida à escola antes da abertura para os demais. Tudo isto pode ajudar a aplacar a ansiedade que muitas vezes provoca a desorganização de algumas crianças.
Enfim, retomando, o que temos de positivo nisto tudo? Com certeza, acelerou mudanças que já precisavam acontecer, nos provocou a repensar modelos, nos aproximou, nos fez enxergar que o centro deve ser sempre o aluno. Que ele deve ter protagonismo e que equipe escolar, equipe médica/terapêutica e família devem estar sempre juntas, dialogando e descobrindo o melhor caminho para cada estudante. De tudo que temos visto na prática, os melhores resultados são os das escolas que estão fazendo um ACOLHIMENTO consistente, uma escuta ativa e promovendo muito diálogo. Resumindo: envolver as famílias no processo desde o início, lembrando que são famílias que precisam ainda mais de apoio. Terminamos com a frase do querido Rodrigo Hübner Mendes "a profunda complexidade decorrente da pandemia não muda, em nada, o fato de que crianças e adolescentes com deficiência têm o direito a uma educação de qualidade."
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