sexta-feira, 30 de julho de 2021

Filhos com autismo podem ter herdado genes modificados de pais sem transtorno

Os especialistas deram destaque à presença de cinco espécies que já haviam sido relacionadas à saúde neural em investigações anteriores

correiobraziliense.com.br

Filhos com autismo podem ter herdado genes modificados de pais sem o transtorno indica estudo americano - (crédito: Enrique de la Osa/AFP - 15/7/13)

Uma microbiota menos diversa pode estar relacionada ao transtorno do espectro do autismo (TEA), segundo cientistas chineses. Eles observaram a relação entre o TEA e a composição de bactérias presentes no intestino de mais de 100 crianças e divulgaram os resultados do estudo na revista especializada Gut. Também ontem, no periódico Nature Genetics, um grupo dos Estados Unidos detalhou alterações genéticas que podem estar ligadas ao transtorno.

A expectativa é de que os dois trabalhos contribuam para o desenvolvimento de diagnósticos mais apurados, considerando as limitações atuais. Hoje, a identificação do transtorno depende quase exclusivamente de avaliação médica. “Queríamos ver se crianças de 3 a 6 anos com esse problema de saúde poderiam abrigar um microbioma que se diferenciasse significativamente daquelas com desenvolvimento típico. Isso pode nos ajudar a encontrar a enfermidade e já entrar com um tratamento precoce”, relatam os autores do primeiro estudo, liderado por Siew Ng, da Universidade de Hong Kong.

Para isso, foram selecionadas 128 crianças, sendo 64 diagnosticadas com TEA. Os pesquisadores avaliaram a quantidade e a variedade das bactérias presentes no intestino dos voluntários, por meio de análise de amostras de fezes. Constatou-se que a quantidade de micro-organismos presentes no material colhido de crianças sem autismo era maior e mais variada. Os especialistas deram destaque à presença de cinco espécies que já haviam sido relacionadas à saúde neural em investigações anteriores.

“Nosso estudo mostra, pela primeira vez, que a microbiota intestinal de crianças com autismo está atrasada em relação à de seus pares da mesma idade. Além disso, a dieta não está relacionada a essa diferença”, relatam no artigo. “Terapêuticas futuras visando a reconstituição da microbiota intestinal podem ser pensadas com base nesses dados, e exames que avaliem esse fator mais minuciosamente podem contribuir para que o tratamento seja feito mais cedo”, indicam.

Genética

No segundo estudo, cientistas da Universidade de Washington avaliaram dados genéticos de 10.905 pessoas com autismo e identificaram uma classe rara de variantes genéticas que são passadas por pais sem o transtorno. “Nos concentramos em mutações hereditárias raras, que são pouco estudadas no TEA, e encontramos mais de uma dezena delas”, afirma, em comunicado, a pesquisadora Amy B. Wilfert.
As mutações genéticas identificadas também diferem de outras alterações do DNA relacionadas ao transtorno. “Curiosamente, a grande maioria dessas variantes (95%) não é encontrada em genes já conhecidos como genes do autismo, indicando que há muito mais a ser aprendido sobre a genética do TEA”, complementa a cientista. Os especialistas destacam que dados de um número maior de pessoas precisa ser avaliado para dar mais validade ao estudo.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Aos 14 anos, amigas criam app para criança cega não ficar sem os livros

Adolescentes do ensino fundamental de MS elaboraram projeto que agora é finalista em etapa nacional

Por Bárbara Cavalcanti para o campograndenews.com.br

Aplicativo "Imaginarte" traz audiobooks narrados especial para crianças com deficiência visual. (Foto: Paulo Francis)

As amigas e estudantes do ensino fundamental Maria Júlia Ota Marinho, Danielle Ayumi Sasaki e Isabela Hikaru Nakano, de 14 anos, tiveram a ideia de um aplicativo que tem audiobooks, que são livros com narração, especialmente para trazer uma forma de entretenimento diferente para crianças com deficiência visual.

O projeto agora é representante de Mato Grosso do Sul no concurso nacional Start SFB, uma competição nacional de empreendedorismo para estudantes do ensino fundamental e médio organizada pelo Sistema Farias Brito, do estado do Ceará. Agora na final, elas precisam de votos para ganhar e então transformar o projeto em um negócio real.

De acordo com Maria Júlia, elas estudaram a ideia e inclusive entrevistaram Rubenita Santiago Siqueira, mãe de Lucas Siqueira de 11 anos, que tem autismo e é cego e que já apareceu aqui no Lado B.

“Como a gente precisava entender nosso problema e realmente achar uma solução, a gente procurou pais de crianças com deficiência pra que eu pudesse entrar em contato. Quando eu vi a entrevista do Lucas, entrei em contato com a Rubenita”, explica Maria Júlia.

As três meninas então elaboraram todo o projeto intitulado “Imaginarte”, que tem o objetivo de ter narradores reais contando histórias clássicas de contos de fadas, tudo isso reunido em um só lugar, com um aplicativo totalmente adaptado para o uso de quem é deficiente.

As meninas apresentaram o projeto ao campeonato por meio de vídeo. Elas pensaram em todos os detalhes: desde o conteúdo, à interface, à linhas de financiamento e parceiros para estruturar o projeto e transformá-lo em realidade. Agora, são as únicas representantes de Mato Grosso do Sul entre os finalistas e dependem de votos para ganhar.

“Pra mim e pras minhas amigas, essa questão da leitura e da arte em geral, é muito forte, porque a gente cresceu lendo contos de fadas e coisas assim, mais fantasiosas, então a gente queria que todos pudessem ter esse tipo de experiência”, anda declara Maria Júlia.

Para votar, basta preencher o formulário clicando aqui. Veja a apresentação do projeto abaixo:

sexta-feira, 23 de julho de 2021

Pedagoga fala sobre alfabetização de surdos em escolas de Cosmópolis

Dia Nacional da Educação de Surdos: "Eles aprendem sim, tem condições para isso, para se alfabetizar da maneira deles e isso tem que ser respeitado", defende a pedagoga Carmela Ferreira

Letícia Leme para o cosmopolense.com.br

No dia 23 de abril comemora-se em todo o país o Dia da Educação de Surdos, bem como o Dia do Deficiente Auditivo. A data foi pensada com o intuito de direcionar a população a refletir sobre a importância do assunto, assim como também prover meios de inclusão para os portadores da deficiência. Buscando então, uma melhora na qualidade de vida dessas pessoas.

Carmela Ferreira é formada em pedagogia em formação de professores para a educação especial, e trabalha em uma das escolas municipais de Cosmópolis onde, atualmente, atende duas crianças surdas. Carmela atua como intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais) e auxilia no aprendizado desses alunos. “Eu fico no período da sete da manhã até as onze e quarenta com esses alunos na sala de aula, interpretando a aula, auxiliando nas atividades dentro do ambiente escolar mesmo. Eles frequentam toda a rotina da escola, tem aula de educação física, aula de inglês, aulas de música. Eles frequentam tudo e estou sempre acompanhando”, explica.

Apesar das escolas para surdos já existirem no Brasil desde o governo de Dom Pedro II (1857), a língua de sinais só foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão no país em 2002, 145 anos depois. No entanto, a inserção de Libras, como disciplina curricular obrigatória nos cursos de professores para o exercício dos magistérios médio e superior, só aconteceu em 2005.

Que a educação para surdos é desafiadora não é segredo para ninguém. Inclusive, o assunto ganhou destaque em 2017 quando virou tema da redação do Enem, onde os candidatos precisaram argumentar sobre os desafios para inclusão educacional de surdos no Brasil. O fato de ser pouco trabalhado nas escolas e mídias, fez com que grande parte dos alunos tivessem dificuldades para dissertar. O que chama ainda mais atenção para a questão que a data (23/04) visa trabalhar: inclusão.

A fim de explicar como é desenvolvida a educação para surdos nas escolas de Cosmópolis, Carmela cedeu uma entrevista ao Portal Cosmopolense, onde expõe os métodos utilizados e principais desafios enfrentados na sala de aula. Confira:

Carmela durante as aulas

Como é desenvolvido seu trabalho nas escolas? Os alunos utilizam a língua de sinais para se comunicar, então eu auxilio em cima da língua de sinais, ajudo a professora na adaptação de currículo, de algum material, de atividade que for necessário e assim aplicamos. A aula é normal, a professora está explicando, eu estou perto deles acompanhando os alunos, só que passando em libras. A professora vai fazer a leitura da história com a turma, enquanto isso eu estou fazendo a interpretação em libras e depois ela vai mostrando para toda a turma o livro e nessa parte eles também participam. Atividade de matemática, ela vai ensinando a sequencia numérica de zero a dez. Conforme ela vai explicando eu vou junto fazendo em libras. Depois quando ela dá a folhinha da atividade, eu vou perto auxiliando. A professora também da suporte, mas quando é algum sinal que a criança não entende, neste caso estou junto para auxilia-la. Tudo funciona junto, tudo ao mesmo tempo (…) Acaba sendo uma atenção especial porque eu estou com eles, diretamente interpretando. Enquanto os outros estão se atentando a professora eles estão se atentando a mim e a professora, é um trabalho bem conjunto.

Esses alunos precisam ter um conhecimento prévio de Libras ou eles aprendem na escola? Geralmente as crianças aprendem nas escolas mesmo, não é uma regra ter um conhecimento prévio. Só que o quanto antes a criança for inserida para aprender a língua de sinais, mais rápido vai ser o desenvolvimento dela. Geralmente as famílias descobrem a surdez com uns três anos, daí vai a questão da aceitação, tanto é que até a família aceitar e ir em busca de ajuda, a criança já está na fase de falar, então aí vai atrasando um pouco mais essa questão do aprendizado da língua de sinais, porque depois que a criança entra na escola geralmente que ela tem esse primeiro contato.

Enquanto professora, quais os principais desafios na educação para surdos? A introdução do bilinguismo, que é a Libras ser a primeira língua do surdo, a gente sabe que elas tem que ser ensinada, só que nas escolas se cobra muito a oralidade, se cobra muito a consciência fonológica. Então a criança (ouvinte) aprende  as famílias silábicas – o  BA-BE-BI-BO-BU – ouvindo, e o surdo não. A Libra é uma língua visual, então o principal desafio é esse, a consciência de que o surdo precisa ter acesso a libras como primeira língua dele, por mais que isto esteja sendo trabalhado, estamos caminhando bem devagar, porque infelizmente a nossa língua é oral. Os surdos estão conquistando espaço, mas o principal desafio que eu vejo hoje é esse, entender essa necessidade de se ensinar primeiramente a Libra e o português como língua secundária, onde o aluno aprende a palavra de forma escrita.

O trabalho que você desenvolve com essas crianças tem um bom retorno? Digo, pedagogicamente. O retorno não é tão rápido, porque agora que eles estão iniciando a alfabetização, eles aprendem a libra como primeira língua deles. Então o português a gente ensina da forma escrita, dessa forma eles precisam aprender que tudo tem um nome, que o sinal que a gente usa na língua de sinais, por exemplo para bola, tem um nome. Então ele precisa compreender, precisa de uma certa forma decorar que bola se escreve B-O-L-A. O que não é tão simples, porque a gente aprende ouvindo, por sílabas, pelas letras, a gente sabe que as sílabas de bola é o B com O, que forma o BO, agora para eles não é tão prático assim, então por isso que é um processo um pouco mais demorado, eles aprendem, dão retorno sim, vão evoluindo, mas as vezes não da forma que a gente espera. É muito de criança para criança. As vezes o ouvinte demora até mais que um aluno surdo, depende muito, do estímulo que tem em casa, dos atendimentos que faz por fora, se tem acompanhamento de fonoaudióloga, se tem acompanhamento de línguas de sinais.

Você mencionou sobre o papel da família no processo de aprendizado. Como a família pode atuar de forma que venha contribuir com esse processo? Aliás, qual é o papel da família? A família precisa ser parceira, tem que haver uma parceria entre escola e família sempre. A família precisa aprender Libras para se comunicar com a criança. Os pais precisam levar ao atendimento com a fonoaudióloga, psicóloga. Um desses alunos que eu atendo frequenta o Sepri na Unicamp, que onde é desenvolvida a língua de sinais, eles recebem atendimento psicológico e fonoaudiológico, juntamente com a pedagogia. Lá a família também aprende Libras e também recebe o acompanhamento psicológico. Enquanto as crianças estão em um outro atendimento com a pedagoga e com o instrutor surdo, eles se devolvem bem mais, o processo é bem mais rápido. A família aceitando, a família buscando e trabalhando junto com a escola, ajuda e muito. Então a família precisa aprender a se comunicar com esse filho, com essa criança. Porque a maioria das crianças surdas, são filhas de pais ouvintes, então eles precisam aprender a se comunicar, senão a criança vai ficar sempre isolada e vai ter essa comunicação só na escola? A parceria da  família é fundamental nesse processo.

E o que você considera como “tabu”, no que diz respeito a educação para surdos? Algo que você enquanto pedagoga diria: Não é bem assim. Acho que o principal tabu é em questão do aprendizado mesmo, eles tem uma língua própria, só que ela [língua] tem as características dela. Então eles aprendem sim, tem condições para isso, para se alfabetizar da maneira deles. Eu acho que isso que tem que ser respeitado. Por exemplo, a produção de texto deles nunca vai ser igual a nossa, mas é uma particularidade deles e isso tem que ser respeitado, e a gente as vezes quer que seja da nossa forma e não é assim. Eles têm muito potencial, profissionalmente falando, eu tive alguns alunos que hoje estão aí trabalhando tem rendimento, eles ‘se viram’, tem o grupo deles, saem ao cinema, dentre outros. Tudo dentro das limitações deles, assim como temos as nossas.

E como avalia a educação para surdos no Brasil? Eu acredito que a educação para surdos no Brasil está avançando cada vez mais, acho que eles [surdos] estão ganhando mais espaço, eles estão ganhando mais direito e eu acho que só tende a avançar. A questão da regularização dos intérpretes nos espaços públicos, nas escolas, nas igrejas, eu acho que está avançando cada vez mais, está ganhando força. Ainda falta muito a conseguir, acho que se tem muito ainda a se batalhar, mas há um avanço.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Educar surdos é desafiador e possível

Por Carol Scorce para cartacapital.com.br

No domingo 5, milhares de alunos fizeram a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e foram surpreendidos com o tema da redação, que este ano contemplou a discussão sobre a inclusão dos surdos na educação. A questão gerou polêmica entre estudantes e professores, e reverberou na redes. O principal ponto de contestação é o fato da inclusão não ser debatida, dentro e fora das salas de aula, e que apenas os textos fornecidos na prova eram insuficientes para a argumentação dos concorrentes.

A prova já foi, mas a pergunta fica: quais são os desafios para inclusão dos surdos no sistema educacional brasileiro? Segundo a educadora Fernanda Cortez, diretora da Escola de Educação Bilíngue para Surdos (Derdic), da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), é primordial compreender que a Língua Brasileira dos Sinais, a Libras, não é uma mera tradução da língua portuguesa por meio de gestos, mas se configura como uma língua própria, com características particulares.

“O português é a segunda língua do surdo, e nem todos têm o mesmo nível de fluência. É como a segunda língua para nós. Temos níveis de domínio diferentes do alemão, do inglês, do francês. Os surdos têm de aprender português e bem, porque é dessa maneira que vão se inserir, arrumar empregos, viver em sociedade. Mas não é a língua natural deles”, explica.

É nesse contexto que entendemos porque os surdos têm direito a intérpretes para auxiliar na compreensão da prova do Enem, por exemplo. “Muitos surdos têm seus direitos fundamentais feridos desde o início da experiência escolar. Diagnósticos atrasados e crianças que passam anos sem a atenção necessária, além de escolas e professores sem recursos e preparo para educar. Pensando que temos então duas línguas totalmente distintas a inclusão também se dá no nível cultural”, afirma a educadora, lembrando que este ano completa 15 anos da Libras reconhecida como segunda língua oficial no Brasil.

Outro ponto importante é a invisibilidade dos surdos. Até que a pessoa que não ouve passe a se comunicar em sinais, ninguém a nota. Elas se constituem como uma minoria, e para especialistas em acessibilidade, como uma minoria dentro de outra. “O uso de tecnologias é importante, mas a formação dos professores para uma pedagogia cuidadosa com os surdos é o fundamental. Os surdos podem fazer a leitura facial, mas eles têm de se comunicar plenamente em português e em libras. Só assim eles serão agentes da própria comunicação. Poderão trocar, que é a base do aprendizado.”

De perto e de dentro

Quem também nos ajuda a entender essa realidade ainda tão hermética para os não surdos, é a jovem professora Pâmela Mattos. Pâmela é única mestra surda do Pará, leciona na educação superior, e fez sucesso esta semana depois de publicar um vídeo criticando o comentário de uma professora que lhe deu aulas. Na ocasião a ex-professora de Pâmela classificou o tema da redação do Enem com “um golpe.”

“No ensino infantil eu era muito mimada pelos professores. Todos me achavam fofa, bonitinha, faziam carinhos em mim. Alguns faziam atividades fora da sala de aula comigo, me incentivavam. No ensino fundamental isso mudou; os professores não falavam libras e não se importavam. Passavam boa parte da matéria apenas oralmente, e se movimentavam a aula toda; eu não conseguia nem fazer a leitura labial. Insistia muito para o meus pais me trocarem de escola, e eles não entendiam o meu desejo, porque aparentemente eu era muito querida na escola pelo corpo docente, mas eles não incluíam. Os meus colegas de sala não se importavam. Nem tocavam em mim.”

As coisas só começaram a melhorar quando Pâmela entrou na escola pública, a partir da figura da orientadora educacional. “Nem todos os professores sabiam libras, mas eles eram orientados quanto ao meu processo, e isso já me incluía. Foi na escola pública que conheci meu primeiro colega surdo. Eram amigos solidários e bagunceiros. Me senti acolhida e respeitada.”

Pâmela ensina ainda que os surdos são serem capazes de exercer qualquer atividade que desejarem, e têm por direito o acesso a todos os mecanismos que potencializem suas habilidades. Educar surdos não é golpe, discutir o assunto não é golpe. Educar surdos é desafiador e possível.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

Estudantes criam bengala inteligente para pessoas com deficiência visual

 Ana Prado / uol.com.br

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

Estudante demonstrando funcionalidade de reconhecimento de emoções Imagem: Divulgação

Os professores Miguel Carvalho e Alexandre Louzada, dos cursos de Tecnologia da Informação da Universidade do Grande Rio (Unigranrio), procuram aliar suas aulas a projetos práticos. Como resultado, os alunos estão desenvolvendo soluções para promover a acessibilidade e dar maior autonomia para pessoas com deficiência visual ou com baixa visão.

"A deficiência está muito na relação da pessoa com o ambiente. Assim, acreditamos que deficiente não é a pessoa, mas sim os meios que dificultam o exercício da autonomia", reflete Miguel. "Por trabalharmos com tecnologia, entendemos que é nossa responsabilidade ajudar a criar soluções para diminuir os obstáculos e melhorar a vida dessas pessoas".

O trabalho dos professores começou há dois anos como um projeto de iniciação científica. Com os bons resultados, foi incorporado a uma disciplina oferecida desde os primeiros semestres dos cursos de tecnologia da instituição. A ideia é que os projetos se tornem mais complexos à medida que o aluno avança no curso.

O programa recebeu o nome de TIA - Tecnologia da Informação para Acessibilidade, e seu principal feito é um software que já é capaz de calcular distâncias, reconhecer comandos de voz, diferenciar pessoas e objetos, reconhecer rostos e expressões faciais e fazer pesquisas, entre outras coisas.

Acessórios inteligentes

Uma das aplicações dessa tecnologia é a chamada "bengala sônica", capaz de avisar, por meio de vibrações, sobre a proximidade de obstáculos. "A bengala funciona a partir do mesmo princípio que os morcegos usam para voar. Ela tem um sensor que emite sinais ultrassônicos inaudíveis para humanos e, com base na reflexão desses sons, consegue descobrir se existe um obstáculo à frente e qual a sua distância", explica o aluno Diego de Souza, de 32 anos, do curso de análise e desenvolvimento de sistemas.

Os avisos costumam ser dados quando há um obstáculo a até 40 cm da ponta da bengala, e a intensidade da vibração vai aumentando à medida que a distância se encurta. A 10 cm de uma possível colisão, ela começa a vibrar continuamente, indicando um alerta máximo de proximidade.

A bengala sônica desenvolvida pelos alunos emite avisos antes de colisões Imagem: Divulgação

"Geralmente, o usuário só sabe que existe um obstáculo quando a bengala comum bate em alguma coisa. Esse bloqueio costuma ser uma árvore ou um poste, mas também pode ser a perna de outras pessoas, uma criança ou até um animal que eventualmente pode atacá-lo. O sensor serve para avisar antes que essas colisões aconteçam", completa Diego.

Outro projeto desenvolvido pelos estudantes é um dispositivo que fica alocado dentro de uma pochete e que, a partir de um mapa previamente carregado e um sistema de GPS, permite ao usuário se localizar no ambiente.

Por enquanto, ele já funciona na faculdade. "É possível saber onde está o banheiro, as salas de aula, as salas de cada professor. O sistema vai informando pelo fone de ouvido conforme a pessoa se locomove", explica o professor Miguel. Segundo ele, esse uso pode ser expandido para outros locais: "Queremos usar também para identificar pontos turísticos, por exemplo".

Os alunos estão, ainda, desenvolvendo bonés, óculos e outros acessórios com funcionalidades complementares. "A ideia é que seja possível usar todos juntos de forma integrada no futuro", comenta Alexandre.

O próprio software também vem sendo aperfeiçoado continuamente. Os professores contam que o grupo está trabalhando para que seja possível identificar cores e rostos previamente cadastrados num banco de imagens.

Já é possível, hoje, identificar expressões faciais para entender se o outro está triste, feliz, bravo ou preocupado, por exemplo. "Isso permite uma interação maior com as outras pessoas, pois já pode cumprimentá-las usando essas informações como base", explica Miguel.

Consultoria especial

Muitos alunos testam as soluções com conhecidos e familiares, mas um ajudante em especial está fazendo toda a diferença. Além de motivar os grupos, o estudante Daniel Alexandre da Silva, do curso de Biologia, tem ajudado a testar e aperfeiçoar as invenções.

Aluno mostra pochete com o localizador Imagem: Divulgação

"Desde o início da minha trajetória escolar eu tive muita dificuldade por causa da baixa visão. O que me cativou nesse projeto foi justamente a possibilidade de ajudar a evitar que uma criança na mesma situação precise passar pelas mesmas coisas", diz ele.

Sua participação tem sido comemorada pela turma. "Ele apareceu em nossa sala há cerca de um mês querendo usar as invenções - e realmente está usando tudo o que produzimos - e os projetos avançaram muito rapidamente graças às suas sugestões", conta Miguel.

Foi Daniel que alertou, por exemplo, para o que chamou de "som irritante" emitido pela bengala sônica. O problema foi logo resolvido pelos alunos. Outra dica importante foi para o dispositivo de localização: a ideia original envolvia o uso de uma pequena caixa para guardar o equipamento, mas ele sugeriu usar uma pochete em vez disso. Assim, o acessório pode se integrar de forma mais prática à roupa da pessoa, sem que ela precise ficar segurando.

Acessibilidade real

Para garantir que as criações sejam realmente acessíveis, a equipe se esforça para que os produtos sejam baratos. Muitos envolvem materiais reciclados: eles já montaram bengala com um guarda-chuva, por exemplo.

Os acessórios funcionam com bateria, mas o plano é trocá-las por energia solar em algum momento. A conectividade também deve melhorar quando ganharem conexão 5G - hoje, dependem da internet do celular do usuário.

Para ajudar a divulgar o projeto para toda a comunidade, os professores criaram redes sociais e um podcast chamado Rolezinho de TI - nome que foi sugerido pelos alunos. "A gente ia chamar de Café de TI, mas eles disseram que rolezinho era mais legal", ri Alexandre. A ideia é falar de tecnologia de uma forma leve, como um bate-papo mesmo, para atrair mais interessados ao tema.

Aulas na pandemia

Com a pandemia, os encontros dos alunos tiveram que ser reduzidos. As aulas teóricas são todas online, e as reuniões para colocar a mão na massa são escalonadas de acordo com os times de aprendizagem. Cada grupo tem entre 10 e 12 alunos, e parte de suas atividades em laboratório são transmitidas ao vivo para o resto da turma.

Mesmo com os desafios, os professores contam que os resultados têm sido positivos. "Apesar de tudo, as notas melhoraram e os alunos ficaram mais participativos nas aulas", conta Alexandre.

Ele acredita que um dos fatores que ajudaram a promover esse maior entrosamento foi a humanização que as aulas virtuais trouxeram: "Essa coisa de dar aula e passar o carro do ovo, ou de ouvir criança chorando, vizinho brigando, vai criando um ambiente mais descontraído e de maior proximidade". Miguel completa: "O aprendizado passa por isso de ter momentos alegres, divertidos".

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Ministérios defendem ensino domiciliar para crianças com deficiência

Regulamentação da modalidade tramita na Câmara; críticos vêem possível retrocesso na inclusão

Raphael Preto Pereira para a Folha
SÃO PAULO

Maria Paula Vieira, 28, é fotógrafa e jornalista. Quando estava no ensino médio, precisou estudar de maneira remota depois de ser diagnosticada com uma síndrome neurológica não identificada que fez com que ela perdesse mobilidade ao longo do tempo.

“Começou aos três anos de idade, quando ainda estava na pré-escola, e com o tempo comecei a sentir muita dor. No ensino médio, eu já utilizava apenas a cadeira de rodas", explica. Por conta das dores, e também por falta da acessibilidade da escola, eu passei a estudar em casa”, explica Maria.

Para isso, ela se valeu de um dispositivo legal chamado de regime domiciliar, hoje só permitido a estudantes que comprovem ter algum impedimento prolongado, como uma deficiência ou internação hospitalar que impeça a ida à escola. Nessa modalidade, a escola tem que enviar exercícios para serem feitos em casa pelo aluno e acompanhar seu progresso.

Maria Paula Vieira, jornalista e fotógrafa, que estudou em casa no ensino médio - Zanone Fraissat/Folhapress

Leia a matéria completa em folha.uol.com.br

sexta-feira, 9 de julho de 2021

‘Atypical’, da Netflix, traz retrato inspirador (e real) de jovem autista

A série chega ao final demonstrando, com brio, que o personagem vive e sonha como qualquer indivíduo de sua geração

Por Amanda Capuano para veja.abril.com.br


DESEJO DE CRESCER - Sam (Keir Gilchrist, à esq.) e sua irmã Casey (Brigette Lundy-Paine) na série: desilusões românticas e fixação por pinguins - Netflix

Sair de casa é um momento importante para qualquer jovem, mas ainda mais desafiador para Sam Gardner (Keir Gilchrist). Diagnosticado com a síndrome de Asperger, um grau leve de autismo, ele se aventura para longe das asas da mãe na quarta e última temporada da série Atypical, que acaba de estrear na Netflix. Não é simples: assim como muitos em sua condição, Sam precisa de uma rotina organizada e bola uma sistemática “lista de mudança” para se sentir seguro. Não à toa, ele se estressa quando o colega de apartamento, Zahid, se esquece de pagar a conta de luz e causa um apagão no imóvel. Chateado, Sam se aconchega em uma banheira vazia e liga para a mãe, que dá a entender que ele não está pronto para cortar o cordão umbilical. Determinado a provar que ela está errada, o garoto traça uma jornada inspiradora que mostra aos familiares — e ao espectador — que sua vida, como a dos mais de 70 milhões de autistas em todo o mundo, vai muito além de um diagnóstico.

Capaz de tratar de assuntos sérios com leveza, Atypical segue a trilha de The Good Doctor ao colocar um autista no protagonismo sem resumi-lo à sua condição. São histórias comuns sobre personagens ditos “incomuns”, que sensibilizam com desafios não tão diferentes dos nossos. Enquanto na série médica Shaun Murphy (Freddie Highmore) é um cirurgião brilhante subestimado pelos colegas, Sam é um jovem recém-­saído da adolescência em luta por autonomia — e o inglês Gilchrist, de 28 anos, lhe confere um retrato verossímil e empático. O tema, aliás, recebe tratamento similar na série brasileira As Five: na produção da Globoplay, a pianista Benê (Daphne Bozaski) ilustra que o autismo não impede os jovens de viver situações inerentes à idade, das desilusões românticas ao prospectar do sexo.

No caso de Sam, o desejo de crescer é intenso: ele aprende a dirigir, toma decisões tão difíceis quanto maduras e traça planos para o futuro, como uma ousada expedição à Antártica para conhecer o habitat dos pinguins, sua paixão desde criança. No meio do caminho, descobre que seu maior desafio não é ser quem é, mas convencer a todos de suas potencialidades. Nas quatro temporadas de Atypical, Sam provou sem dúvida seu valor.

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Como incluir deficientes visuais nas aulas de Física?

 cartacapital.com.br

DOCENTE PODE USAR MATERIAIS QUE FAÇAM COM QUE O ALUNO PERCEBA AQUELE CONCEITO ATRAVÉS DO TATO

Recursos visuais são comumente utilizados por professores de Física para ajudar os alunos a compreender conceitos. Basta pensar em uma aula de óptica: esquemas mostrando o comportamento da luz ao incidir sobre um espelho ou a refração dos raios de acordo com diferentes tipos de lentes costumam preencher lousas e materiais didáticos.

Tal abordagem, entretanto, exclui alunos com deficiência visual do processo de aprendizagem. É o que alerta Eder Pires de Camargo, autor do livro Saberes Docentes para a Inclusão do Aluno com Deficiência Visual em Aulas de Física, da editora Unesp.

“Chamo a situação de um aluno cego ou com baixa visão em uma aula de Física tradicional de condição de estrangeiro, pois é análoga à de uma pessoa em um país do qual desconhece o idioma. O aluno não tem acesso à informação, não compreende os conceitos ou nem sequer constrói dúvidas”, explica o professor da Unesp de Ilha Solteira (SP), que tem deficiência visual.

Resultado de um pós-doutorado e de um projeto de atividades pela Unesp de Ilha Solteira, a obra elenca estratégias e competências que professores do Ensino Médio devem desenvolver para incluir alunos com deficiência visual: “A maioria dos conceitos não estabelece uma relação direta com a visão”.

Entre as estratégias estão aulas nas quais o professor descreve auditivamente o que ele escreve ou desenha na lousa. Já para os conceitos mais difíceis de explicar pela fala, como é o caso de uma parábola, Camargo sugere o uso da linguagem tátil-auditiva.

“O docente pode usar materiais que façam com que o aluno perceba aquele conceito através do tato, como representações de gráficos em alto-relevo e maquetes. Assim, o professor conduz a mão do aluno pela estrutura enquanto explica auditivamente o conceito.”

Preterido, o tato é uma percepção sensorial importante e pode despertar nos alunos, cegos ou não, novas sensações. “A percepção tátil é analítica: você primeiro analisa as partes para então chegar ao todo. Já a observação pela visão é sintética: capta-se o todo primeiro para depois perceber as particularidades”, explica.

Outro saber importante é conhecer a história visual do aluno, pois a situação de um estudante que nasceu cego não é a mesma daquele que perdeu a visão. “O que nasceu cego não tem experiências empíricas de muitas coisas, como a lua e a estrelas. Por isso, o professor, antes de sair dando uma aula de astronomia, precisa entender qual é a representação que esse aluno tem desses elementos.”

Já para os alunos com baixa visão, é importante identificar até onde ele consegue enxergar. Saber se consegue ver cores, linhas fortes ou imagens ampliadas pode fornecer pistas de recursos para o ensino. O livro está disponível para down-
load gratuito no site da editora.

*Publicado originalmente em Carta na Escola

sexta-feira, 2 de julho de 2021

A diversidade nas salas favorece o aprendizado

 Por Thais Paiva para o cartacapital.com.br

Há quase vinte anos dirigindo o Programa de Formação de Professores da Universidade de Stanford, uma das mais renomadas dos Estados Unidos, e com forte trabalho direcionado à diversidade e equidade na educação, Rachel A. Lotan chama a atenção para o desafio duplo que é ser um aluno imigrante. “Eles precisam aprender o conteúdo curricular e a língua ao mesmo tempo”.

A professora diz, no entanto, que uma solução para essa e outras questões de disparidade na escola é tão simples quanto eficaz: a aprendizagem cooperativa, isto é, trabalhos em grupo. Na medida em que interagem com seus colegas, aprendem de forma horizontal sobre diversas habilidades e assuntos escolares.

Em São Paulo, onde esteve para o lançamento da primeira versão em português do seu livro Planejando o Trabalho em Grupo – Estratégias para Salas de Aula Heterogêneas (Instituto Sidarta), que escreveu em coautoria com Elizabeth Cohen (1932-2005), a professora falou sobre a importância do ensino para a equidade, as razões pelas quais deveríamos buscar salas heterogêneas e como a estratégia dos trabalhos em grupo pode favorecer uma educação mais democrática.

CE: A senhora possui um amplo trabalho sobre o desafio de incluir estudantes com ascendência latina em escolas americanas. Em São Paulo, vemos uma situação semelhante com crianças imigrantes da Bolívia, Haiti e países africanos – dificuldade que é agravada pela barreira da língua. O que pode ser feito para mudar esse quadro?

Rachel Lotan: O meu livro surgiu justamente dessa preocupação: como assegurar que esses alunos – imigrantes ou filhos de imigrantes – que estão aprendendo a língua usada na instrução, no nosso caso, o inglês, tenham oportunidades iguais de aprendizagem? Como esses alunos que se veem mal preparados comparados aos outros alunos que possuem o inglês como língua nativa podem melhorar seu desempenho? Qual o tipo de pedagogia que precisamos adotar para que isso aconteça? As crianças das quais você pergunta têm dois desafios: precisam aprender o conteúdo curricular e a língua ao mesmo tempo. Por isso, em alguns casos, a educação bilíngue pode ser uma resposta, mas nem sempre. Isso porque há classes onde cinco alunos são falantes do espanhol, sete falam suaíli, três falam chinês e todo o resto português. Nesses casos, que língua usar para o bilinguismo? Não funciona.

Então, a resposta está em facilitar a interação e assegurar que as crianças se envolvam e tenham iniciativa. Segundo minha experiência, dar para elas livros e ensiná-las pontualmente palavras como “isso é uma mesa”, “isso é um livro” não é muito útil. No entanto, se você juntá-las e propor que elas façam algo em conjunto, elas vão ter que se comunicar e é nesse momento que a aprendizagem acontece. Por exemplo, precisamos fazer um experimento para descobrir em qual temperatura a água evapora. Eu não falo português, mas estou em um grupo com você que fala e te pergunto “como se diz isso?”, você me diz. Ao fim do dia, já aprendi 20 novas palavras, cheguei a algum lugar.

Carta Educação: O que é uma sala de aula heterogênea e quão importante é ter diversidade nas escolas? Quais são os ganhos para alunos, professores e famílias?

RL: Um dos aspectos da heterogeneidade nós acabamos de falar, a língua. E mesmo quando, por exemplo, nos Estados Unidos, você tem em uma sala apenas falantes de inglês, é sabido que crianças vindas de diferentes contextos sociais também se expressam diferentemente. Crianças da classe média têm uma repertório linguístico diferente das crianças que nasceram em lugares mais pobres, por uma série de razões como acesso à leitura, conversações, etc. Há também diferenças culturais, técnicas, raciais, na forma como as pessoas interagem, entre muitas outras. Então isso é uma classe heterogênea.

Hoje, nos Estados Unidos, o cenário é de segregação, isto é, as classes estão menos heterogêneas etnicamente e em outros aspectos, inclusive, nas escolas públicas por conta da segregação residencial. É lamentável, porque a diversidade deveria ser uma meta, um valor, é um tesouro por uma série de razões. Há muitas pesquisas de relevância que mostram que a diversidade nas salas favorece o aprendizado. Alunos universitários, por exemplo, quando estão cercados por diversidade possuem um desenvolvimento intelectual muito maior. Isso porque quando você interage com pessoas que possuem perspectivas distintas da sua, você precisa explicar o seu ponto de vista e ouvir o do outro. E fazendo isso você aprende! Certamente, a diversidade também nos enriquece do ponto de vista cultural e humanístico, porque nos torna muito mais compreensíveis e tolerantes. Resumindo, nos torna pessoas melhores.

CE: A senhora dirige o Programa de Formação de Professores de Stanford. Quais habilidades apontaria como essenciais para que o professor seja capaz de promover a equidade?

RL: Antes de tudo, os professores precisam ter em mente os interesses de seus alunos, ou seja, lembrar constantemente que o seu trabalho é fazer o melhor que podem pelas crianças. Para que isso aconteça, meu conselho é: abra oportunidades, tente conhecer ao máximo seus alunos, se importe com eles e assegure que você espere o melhor deles. O professor está no comando da classe, então tem que saber orquestrar com competência o que acontece naquele ambiente.

CE: Seu livro fala do trabalho em grupo como uma ferramenta eficiente para construir salas de aula mais equitativas. Por que a senhora acha que esse tipo de trabalho ainda é mal interpretado e visto com suspeita por pais, alunos e até mesmo professores. Como convencê-los de que trabalhar em grupo é uma boa estratégia de ensino e aprendizagem?

RL: Acho que a maior parte da reclamações relacionadas ao trabalho em grupo vem de uma preocupação legítima que é quando a criança chega em casa e diz “odeio trabalho em grupo, fiz tudo sozinho, ninguém mais fez nada e todos tiraram a mesma nota”. Na outra ponta, temos a reclamação dos pais que dizem “você é o professor, é seu trabalho ensinar os alunos, então por que pede para meu filho ensinar os colegas? O que está fazendo em sala, tomando café?”. De fato, trabalhos em grupo mal feitos são um desastre.

Então, se o professor optar por esse tipo de metodologia e todos os benefícios que ela traz para alunos e professores, precisa saber fazer direito. Isto é, precisa garantir que todo mundo participe igualmente, que os alunos tenham o tipo adequado de tarefa para desempenhar em grupo e que saibam como fazê-lo, porque ninguém nasce sabendo. Outro ponto importante é como avaliar. Não dê nota por grupo sem saber exatamente como o trabalho foi distribuído. Na verdade, eu iria além e diria não dê nota. O professor pode dar um retorno, um feedback para o grupo e seu processo, mas não uma nota. Outro fator importante é: como você reconhece que todo mundo ali tem algo para contribuir? Acho que é aí que nós, professores, pecamos. Muitas vezes só olhamos com atenção para as crianças que sabem ler, escrever e fazer tudo certo e rapidamente, mas não deveria ser assim.

CE: Trabalhar em grupo incentiva uma aprendizagem mais democráticas?

RL: Sim. Ser democrático significa, por princípio, ouvir mais atentamente aquilo que os outros têm a dizer e, na outra parte, que os outros também te escutem com respeito. Praticar a democracia em sala é saber que todos têm um objetivo comum, que é o bem-estar da sociedade na qual você está inserido. E esse exercício acontece, principalmente, em grupos. Não acontece entre você e o computador, mas entre você e outras pessoas. Logo, trabalhar em grupo é literalmente começar a democracia desde o jardim de infância.