Com o fim do ano se aproximando, ficam cada vez mais evidentes os sinais da chegada do Natal: os enfeites de luzinha, a decoração em tons de vermelho e branco, as árvores enfeitadas com bolinhas, as guirlandas, os sinos e as músicas temáticas. No supermercado, as prateleiras e freezers são invadidos por panetones e perus. Tudo muda, e para os pais de crianças com autismo esta época do ano pode se tornar bem estressante. Não por causa dos filhos, mas sim pela falta de compreensão de quem os cerca.
Por isso, nós da Twinkl fomos em busca de informações que podem ajudar a tornar a celebração mais confortável para as crianças autistas. Se você é pai, mãe, tio, primo, avô, avó ou amigo de alguém com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), leia estas dicas e faça sua parte. E, se você não é, leia também - afinal, é com educação e respeito que podemos tornar o mundo um lugar mais acolhedor e inclusivo.
Preparados? Então vamos às dicas:
1 - Esqueça as fórmulas
O primeiro passo é entender que todos somos diferentes, todos temos nossas necessidades particulares, e o mesmo vale para as crianças. “Para pensarmos em um Natal mais acessível para as crianças autistas, precisamos começar não colocando todas dentro de um mesmo rótulo. Cada criança é única e a criança autista será a combinação de diferentes expressões do transtorno e a personalidade daquele indivíduo. Respeitar e entender que cada criança com autismo é também única já é em si um ato de inclusão, uma postura de respeito”, explica F. Cristina, dona do blog Mundo da Mi.
2 - Permita à criança de se autorregular
É importante aceitar que, com a mudança na rotina, é normal que as crianças aumentem seus comportamentos repetitivos. Joe Santos, do Vencer Autismo, conta: “Esses comportamentos são uma forma de as nossas crianças se autorregularem e tomarem conta de si mesmas. Permita que a criança tenha os comportamentos repetitivos. Ela está tomando conta de si, e é uma forma de a ajudar a equilibrar seu sistema nervoso. Se tiver oportunidade e disponibilidade, para além de deixar a criança ter o comportamento repetitivo, tente se juntar a ela. É uma excelente oportunidade para criar uma relação com seu filho e saber mais sobre ele. Quando nos juntamos à criança, muitas vezes conseguimos perceber por que ela tem o comportamento estereotipado. E é a melhor forma de mostrarmos que a aceitamos totalmente e que estamos ao seu lado”.
3- Respeite o tempo do seu filho
“Eventos como Natal são excelentes oportunidades para se estreitar os laços em família, fazendo com que crianças autistas criem vínculos com outros parentes com quem não estão habituadas a conviver. Autistas têm ‘prazo de validade’, ou seja, é importante observar os sinais de irritação quando o prazer da convivência der lugar a sofrimento. Muitas vezes nos desgastamos com o excesso de estímulos sensoriais ou quando expostos por muito tempo ao convívio social. Nessas horas, é importante deixar a criança se regular de outras formas e ficar mais quieta. Os pais precisam ter em mente que não é porque essas dificuldades não sejam perceptíveis que elas não causem sofrimento à pessoa autista”, esclarece Sophia Mendonça, do blog Mundo Autista.
4 - Dê previsibilidade e controle à criança
O criador do Vencer Autismo também pondera que às vezes os pais estão tão ocupados em preparar tudo que podem esquecer de avisar aos filhos sobre o que está sendo planejado, incluindo atividades e passeios: “Sabemos que as nossas crianças não adoram surpresas e que para elas o controle e previsibilidade são fundamentais. Quando você estiver planejando as férias, fale com o pequeno sobre a programação. Até para as crianças não verbais este passo é fundamental. Explique com antecedência o que vai acontecer, quando e onde vai acontecer e o que vai ser divertido para ela. Isso irá minimizar crises, comportamentos desafiantes ou resistência a participar / fazer certas coisas”.
5 - Preste atenção na alimentação
Esta é uma dica válida principalmente para aqueles que possuem uma dieta específica. “Sabemos que é época de férias e que com isso, muitas vezes vêm os doces e outros alimentos em excesso. Existe uma ligação muito forte entre alimentação e o comportamento das crianças autistas. Apesar de ser uma época especial, cair no erro de ceder a algumas tentações pode interferir no comportamento e tranquilidade dos pequenos. Há uma série de alimentos que sabemos que não vão ser devidamente processados por eles. No começo podemos não perceber o problema de deixá-los comer de tudo, mas passado algum tempo, podemos ver as crises chegando, diarreias ou constipações, comportamentos mais desafiadores, etc. Especialmente se a criança segue uma dieta sem glúten e sem caseína, é fundamental que não exista essa exceção. Vale mais não ter esses alimentos disponíveis e termos uma criança bem, saudável e tranquila”, avisa Joe.
6 - Conscientize os familiares e amigos
Cristina destaca também a importância de mostrar à família como compreender a criança. “As pessoas da família e os amigos que irão participar da festa de natal ou das reuniões em torno da data, devem ser preparados para receber sem estranheza as acomodações que talvez precisem ser feitas. Quando não avisados podem comentar sobre o stim, ou estereotipia que aquela criança talvez venha a usar para se regular frente ao excesso de estímulos, por exemplo. Ou podem não entender porque a ceia foi servida mais cedo quebrando uma tradição, mas respeitando o fato de que às vezes pode ser muito difícil para o autista entender lógicas tão subjetivas como uma hora diferente para servir o jantar em um único dia do ano, enquanto estão todos prontos e esperando justamente pelo jantar”.
Sophia destaca que o que é visto muitas vezes como ‘birra’ tem, na verdade, outra explicação: “É preciso conscientizar a família de que mau comportamento é comunicação de algum desconforto vinda de alguém que ainda não desenvolveu mecanismos para se expressar melhor”. “Em qualquer ocasião, vale falar abertamente e se possível com antecedência sobre o autismo, porque irá não apenas aumentar a conscientização tão necessária, mas irá também poupar a família dos dissabores que vêm da desinformação e que podem estragar qualquer festa”, diz Cristina.
7 - Cuidado com os presentes muito estimulantes
“Devemos avaliar se o presente que estamos pensando em dar não terá estímulos que contribuirão para um excesso de estimulação das nossas crianças”, aconselha o fundador do Vencer Autismo. “Com brinquedos mais tradicionais, como livros, carrinhos, bonecas ou trabalhos manuais, elas podem usar a sua capacidade para estimular o próprio cérebro ao invés de usar uma máquina para fazer o trabalho por elas.
Não tenha medo de ser sincero com os familiares e ajude-os na escolha de um bom brinquedo (de preferência que não pisque nem apite). Você pode sugerir presentes que ajudem a criança, como almofadas sensoriais, areia seca, trampolim ou bolas de pilates, bolas de água, etc. Às vezes elas ficam satisfeitas com coisas bem mais simples e que, ao mesmo tempo, potencializam a interação social”.
8 - Explique as brincadeiras de amigo secreto e a figura do Papai Noel
A equipe do Jade Autism ressalta a importância de conversar sobre as brincadeiras tradicionais do Natal. “Uma das características que muitas crianças com TEA apresentam é a dificuldade com pensamentos ou fatos simbólicos e dificuldade em fazer leitura social, como interpretar sentimentos e se colocar no lugar do outro.
Normalmente o ponto de vista de uma criança com TEA é 8 ou 80, não existe meio verdade, uma coisa é certa ou é errada, o que torna a possibilidade de interpretar e simbolizar sempre difícil. Essa dificuldade pode acabar refletindo nas típicas brincadeiras de fim de ano como amigo oculto, ou amigo x como são conhecidas. Uma dica é explicar a brincadeira passo a passo, e o motivo de não se revelar quem foi o amigo tirado até o momento da brincadeira. Uma estratégia também é explorar o potencial imitativo, instruindo a criança a observar as primeiras pessoas que dão a dica do amigo que tirou e imitar quando for a sua vez.”
9 - Respeite as escolhas da criança e mantenha a rotina
"Se o autismo do seu filho(a) for de grau leve, pergunte a ele se está confortável em participar da atividade A ou B e respeite sua escolha. Faça o convite, mas não insista a ponto de gerar ansiedade. Nos casos moderados e graves, dê opções de escolha mais objetivas, descrevendo uma e outra alternativa, mas mantenha os pontos essenciais da rotina (horários de alimentação, de dormir etc) para não desencadear uma crise antes mesmo do início da confraternização; e deixe a criança com roupas confortáveis. Em todos os casos, valorize e pontue os comportamentos adequados. E lembre-se de que o autismo não tira férias.” diz Raquel Ely, idealizadora do instituto UniTEA.
10 - Prepare um cantinho calmo para o pequeno
“É muito frequente passarmos o Natal na casa de familiares, num ambiente e contexto diferentes do que a criança está habituada a estar. Nesse sentido é importante também nos prepararmos com antecedência. Pergunte à sua família se podem disponibilizar um quarto sossegado e separado para aseu filho poder ir quando precisar. A época das festas pode ser um bombardeamento sensorial para a criança, e ter esse espaço disponível poderá ajudá-la a não ficar tão sobrecarregada. Podemos designar, com antecedência, uma sala calma ou espaço onde seja possível ir para se descomprimir e acalmar. De vez em quando, pode ser útil levarmos a criança para este espaço e passar algum tempo lá com ela”, explica Joe.
- Vale lembrar que estas dicas podem e devem ser adaptadas de acordo com a singularidade de cada criança. E o mais importante: valorize o que importa. Como relata Joe, “muitas vezes queremos que tudo saia às mil maravilhas. Queremos ter os presentes perfeitos, a decoração perfeita e que tudo corra superbem. Mas a verdade é que estes momentos são uma boa oportunidade para olhar para o seu filho e fazer o que faz sentido para ele e para vocês, sem pressão para fazer igual aos outros. É uma excelente oportunidade para celebrar a singularidade da criança e fazer um Natal único, do jeito de vocês”.
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