quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Erros e acertos na inclusão de estudantes com deficiência

Professores e pais relatam as limitações que encontram e as experiências bem-sucedidas no acolhimento de estudantes com deficiência nas escolas regulares

Maurício Brum para extraclasse.org.br


Foto: Roberto Soares/Alepe/Senado

Profissionais de ensino e pais de alunos de inclusão relatam as limitações que encontram e as experiências bem-sucedidas no acolhimento de estudantes com deficiência nas escolas regulares. Pesquisa realizada em agosto com professores do ensino privado gaúcho demonstrou cenário de sobrecarga de trabalho e falta de estrutura adequada em grande parte das instituições particulares do estado

A inclusão de alunos com deficiências físicas e cognitivas tem sido uma maneira que muitas escolas particulares utilizam para se promover no mercado. Mas a propaganda nem sempre corresponde à estrutura oferecida.

Recentemente, uma pesquisa realizada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS) relevou um cenário no qual professores se disseram desamparados, sem apoio, formação ou recursos para acolher esses alunos. Trata-se de um desafio multifacetado, que vai desde a necessidade de adaptações na estrutura física da escola para acolher, por exemplo, um aluno cadeirante, até a capacitação docente e a contratação de monitores para acompanhar aqueles que demandam atenção integral durante a aula.

Na prática, mesmo instituições privadas vêm tendo dificuldade para oferecer essa variedade de recursos, o que também afeta a rotina dos professores – na pesquisa, 26% dos docentes apontaram que não contam com nenhum tipo de apoio para atender a esses alunos, e a percepção de que não há carga horária para planejar atividades específicas foi constantemente citada. Em uma comunicação interna de uma escola de Porto Alegre à qual o Extra Classe teve acesso, por exemplo, os professores são cobrados a fazer “uma prova para cada aluno” de inclusão, com as devidas adaptações para as necessidades individuais e “em tempo hábil e em dias úteis” para que a educadora do atendimento educacional especializado (AEE) consiga analisá-las antes da sua aplicação – algo que nem sempre acaba sendo possível dentro das horas previstas para o trabalho dos docentes.

“Poucas escolas, por terem esse perfil inclusivo, acabam recebendo muitos alunos com deficiência, somando um número significativo deles. Se mais escolas tivessem esse perfil, esses alunos seriam matriculados em muito mais instituições, o que seria importante para o trabalho pedagógico”, aponta Cecília Farias, diretora do Sinpro/RS, a respeito da sobrecarga imposta aos professores.

Em meio às limitações, porém, experiências positivas relatadas por familiares e profissionais da área aparecem como um caminho para melhorar o cenário ainda precário.


Fotos: Igor Sperotto/Arquivo Extra Classe

O que diz a lei sobre inclusão de estudantes com deficiência

Conforme a lei e as associações de pais, todas as instituições de ensino deveriam contar com um acompanhante terapêutico para estar ao lado da criança no ambiente escolar, com a sala de recursos prevista em lei que forneça os equipamentos necessários para a aprendizagem desse aluno, e com um plano de ensino individualizado (PEI) para os estudantes de inclusão.

“Esse PEI não deve ser elaborado unicamente pela escola: deve ser feito com apoio da família e da equipe multidisciplinar que acompanha a criança fora do ambiente escolar”, afirma Mariana Chuy, sócia-fundadora da Associação Brasileira de Apraxia de Fala na Infância e Adolescência (Abrapraxia), um transtorno que dificulta a aprendizagem dos sons da fala.

Mãe do Gabriel, aluno de inclusão em uma escola particular da capital gaúcha, Mariana desabafa.  “Existem exceções e boa vontade para mudar a situação, mas isso envolve comunicação e investimento financeiro”, resume.

Nos locais que vêm sendo considerados exemplos positivos de inclusão, uma das estratégias empregadas para abarcar os alunos com diferentes necessidades sem sobrecarregar os professores é o chamado desenho universal para a aprendizagem.

Esse método prevê pensar uma atividade previamente, de modo que ela tenha o máximo de abordagens possíveis, sem fazer múltiplos planejamentos.

“Alguns tipos de deficiência sempre vão exigir adaptação maior, mas com outras é possível elaborar uma atividade abrangente que funcione para todos os alunos daquela sala”, explica Lúcia Fonseca, coordenadora pedagógica da escola CID (Centro Integrado de Desenvolvimento), em Porto Alegre.

Atividades simultâneas


Fotos: Igor Sperotto/Arquivo Extra Classe

Um mesmo tema pode, segundo a pedagoga, gerar diferentes atividades simultâneas. “Enquanto uns escrevem texto, outros desenham, outros fazem uma história em quadrinhos.

Desta forma, ofertando uma diversidade de possibilidades, cada estudante pode fazer a escolha que melhor lhe favoreça”, argumenta Lúcia, entendendo ser preciso quebrar o paradigma de que todos os alunos precisam fazer a mesma coisa ao mesmo tempo.

Outras adaptações podem ser até mais simples, baseadas apenas na percepção do contexto: mudar o local de uma turma para garantir a acessibilidade no caso de um estudante com deficiência física ou, então, para afastar alunos que enfrentam problemas para se integrar à aula em função de distrações externas, como barulhos ou cheiros, um incômodo frequente em crianças com diagnóstico do transtorno do espectro autista (TEA).

Lúcia recorda uma situação do tipo, quando um aluno de inclusão apresentava mais agitação ao sentir o cheiro da comida sendo preparada a partir do meio da manhã.

“Não podíamos deixar de produzir alimentos, mas podíamos mudar a turma de sala, para outro andar da escola, mais distante da cozinha. E isso foi feito. Uma mudança bem simples que permitiu que a desorganização do menino fosse menos intensa”, conta.

Conscientização da comunidade 

Além dos investimentos em formação e estrutura, pais e professores concordam que um dos principais obstáculos continua sendo a conscientização da comunidade escolar, incluindo as famílias de alunos sem deficiência.

“Quando falam de nós, as pessoas imediatamente pensam que se trata de uma escola especial, o que não é o caso: somos uma escola regular que trabalha com inclusão. Mas muitos pais ainda não entendem que seus filhos só têm a ganhar com esse convívio, e acham que a presença de um aluno de inclusão vai atrasar o aprendizado deles”, detalha Maria Helena Barth, diretora do Colégio Conhecer, na capital dos gaúchos, instituição que se destaca positivamente no assunto.

Ela aponta que, com a pandemia, a escola vem enfrentando uma perda de matrículas, o que gera também uma impossibilidade de acolher mais estudantes de inclusão.

Por lei, uma turma dos anos iniciais do ensino fundamental pode ter até três alunos de inclusão em uma sala com lotação máxima de 20 estudantes, porém o número acaba sendo reduzido se esse limite não é atingido.

A dificuldade de acolhimento é sentida na pele pelas famílias.

“Costumo dizer que meu filho estuda numa escola bem inclusiva, mas tenho uma comunidade que não é receptiva”, resume Mariana Chuy, da Abrapraxia.

“Não existe aquela conversa da mãe que nos pergunta como estamos”, ela diz, recordando que, durante as restrições da pandemia, o filho precisou se afastar da sua turma da época, acabando por repetir o ano, sem que ela recebesse qualquer contato dos outros pais.

Redes de apoio para estudantes com deficiência

Da parte das escolas, é fundamental prestar atenção a essa situação. “As famílias são redes de apoio, e precisamos fazer movimentos que permitam que elas se encontrem na escola, algo que foi drasticamente diminuído em função da pandemia”, explica Lúcia.

“É uma situação bastante individualizada: há crianças mais inseridas cujos pais convivem com outras famílias, e outros que preferem vir nas reuniões em horários diferenciados e não se sentem tão acolhidos. Nós sempre tentamos incentivar que eles busquem essa interação”, afirma a coordenadora pedagógica do CID. Buscando estimular a aceitação na comunidade, entidades como a Abrapraxia realizam atividades focadas nos próprios alunos, a fim de que eles levem o conhecimento sobre a inclusão para os pais em casa.

Formação dos profissionais

Muitas vezes, as organizações também tomam para si o trabalho de oferecer formação complementar aos profissionais de educação. É o que faz, por exemplo, a Associação Pais e Amor, que defende as demandas de famílias com crianças diagnosticadas com TEA em Cachoeirinha, na região metropolitana da Capital.

“Oferecemos formação tanto para escolas particulares quanto públicas, de maneira gratuita. O que os professores mais trazem para nós é que não são preparados para lidar com esses alunos nos cursos de graduação”, identifica Carmem Kruger, ela própria professora aposentada, e hoje integrante da diretoria da Pais e Amor.

Mesmo com formação e estrutura, contudo, as profissionais concordam que certas situações, inevitavelmente, dependem da vivência prática.

“É algo que vem de dentro para fora, da disponibilidade interna de entender essa criança, que às vezes ela precisa sair da sala quando fica mais agitada, que os colegas também devem ajudar”, diz Maria Helena, do Conhecer.

“Todas as pessoas da escola têm que estar atentas ao movimento de sala de aula. E gerar uma relação cooperativa, de confiança, em que o professor não tema ser visto como incompetente por precisar da ajuda de outro profissional”, complementa Lúcia Fonseca, lembrando que, em situações de crise, uma criança com necessidades especiais pode precisar do envolvimento de outro adulto, além daquelas que estão na sala naquele momento.

“Por mais que seja ‘lugar-comum’ atualmente falar sobre alunos de inclusão, esse é um termo que devemos questionar”, ela entende. “Todos nós somos sujeitos da escola inclusiva”, conclui Lúcia.

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