A fonoaudióloga Maria Lúcia Novaes
Menezes está preocupada com um fenômeno que tem percebido nos últimos
tempos: o aumento do número de crianças muito novas – de dois ou três
anos – usando tablets.
Profissional com mais de 30 anos de
experiência, a doutora tem atendido, em seu consultório no Rio de
Janeiro, inúmeros casos em que os pais chegam a suspeitar que os filhos
são autistas, sem perceber que o uso prolongado de tablets, joguinhos
eletrônicos e celulares é que está dificultando o desenvolvimento da
comunicação das crianças.
Fiz uma breve entrevista com a doutora Maria Lúcia Novaes Menezes. Aqui vai a conversa:
A senhora disse estar assustada
com o número de pais que deixam filhos pequenos – crianças de dois ou
três anos – usarem tablets. Isso tem aumentado nos últimos tempos?
A cada ano percebe-se que aumenta o
número de crianças com menos de três anos de idade fazendo uso de
tablets. Podemos observar, nos shoppings, bebês com tablets pendurados
nos carrinhos. Isso tem prejudicado o desenvolvimento da linguagem e,
principalmente, da socialização.
Quais as consequências que a senhora tem percebido nas crianças?
Se considerarmos que, nos primeiros três
anos de vida da criança o desenvolvimento da cognição social se dá
através do desenvolvimento da intersubjetividade, ou seja, que as
diferentes fases da interação da criança com seus pais e cuidadores se
dão através de compartilhar experiências e do olhar da criança para o
outro, a utilização do tablet impede estas ações.
O tablet, utilizado por longo tempo,
retira do contexto da criança esse contato fundamental para a
socialização, causando um prejuízo no desenvolvimento das habilidades
humanas que dependem da socialização, do envolvimento com o outro,
prejudicando o desenvolvimento da socialização e do aprendizado que
depende de experiências com o mundo à sua volta.
A senhora mencionou que alguns
pais a procuram para tratar de supostos problemas de comunicação das
crianças, sem perceber que o uso do tablet é uma das principais razões
para isso.
O que tenho observado, principalmente no
último ano de clínica, é que o uso do tablet e outros eletrônicos está
cada vez mais tomando o lugar da interação entre as crianças e seus pais
e o brincar no contexto familiar. Os pais passam muito tempo no
trabalho, chegam em casa cansados e, quando os filhos querem assistir
desenhos e joguinhos no tablet, eles liberam, em vez de tentar conversar
ou brincar.
Como conseqüência, se a criança tem
alguma dificuldade para adquirir a linguagem e a socialização, essa
pouca comunicação com os pais poderá desencadear esse déficit. Talvez,
em um contexto familiar onde fosse mais estimulado a se comunicar e
brincar, essa dificuldade não aparecesse de forma tão acentuada. Essa
hipótese surgiu da minha prática clínica, onde na entrevista com os pais
eles relatam o uso de tablets, jogos no celular e DVD. Tem acontecido
com freqüência que a observação dos pais da forma que interagimos e
brincamos com a criança no set terapêutico e como, aos poucos, seu filho
vai começando ou expandindo a sua comunicação e o interesse em brincar,
eles mudam a dinâmica com seus filhos no contexto familiar, a
comunicação verbal e social da criança começa a expandir, os pais ficam
mais tranqüilos e mais próximos dos filhos, e a criança, tendo a
companhia do pai ou da mãe, passa a se interessar mais pelos brinquedos e
em brincar e diminui o interesse pelo tablet, DVDs e joguinhos nos
celular.
A senhora mencionou casos em que
os pais suspeitavam ter um filho autista, mas o problema da criança se
resumia a uso prolongado de novas tecnologias.
No ano de 2014 atendi crianças com idade
em torno de dois anos, trazidas com queixa de comunicação social e
desenvolvimento da fala, os pais suspeitando de autismo. Mas, ao mudar a
dinâmica familiar, essas crianças apresentaram uma mudança muito grande
na sua comunicação social e verbal.
O que os pais devem fazer para evitar problemas desse tipo, numa época em que os tablets estão em todos os lugares?
Sei que é difícil ir contra o sistema e
penso que a criança deve ser cobrada pelos amiguinhos para ter e usar um
tablet. O que talvez auxiliasse a romper com o hábito dos joguinhos
eletrônicos e tablets seria restringir ao máximo possível o uso do
tablet. Talvez a melhor forma de se conseguir é dando mais atenção ao
filho através de conversas, do brincar, e utilizar mais jogos não
eletrônicos e mais interativos.
Currículo de Maria Lúcia Novaes Menezes
Fonoaudióloga formada em 1984 pela
Faculdades Integradas Estácio de Sá, mestre em Distúrbios da
Comunicação, em 1993, pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, com cursos na New York University reconhecidos e creditados neste
mestrado e doutora em Saúde da Criança e da Mulher pela Fundação
Oswaldo Cruz (2003). Aposentada da FIOCRUZ em 2014, mas ainda
permanecendo como orientadora do projeto de pesquisa do Ambulatório de
Fonoaudiologia Especializado em Linguagem / AFEL. Atua como
fonoaudióloga na clínica em avaliação e diagnóstico dos distúrbios da
linguagem e orientação aos pais. Autora da escala de Avaliação do
Desenvolvimento da Linguagem, idealizado, padronizado e validado no
Brasil para avaliar o desenvolvimento da linguagem da criança
brasileira.
Fonte: http://entretenimento.r7.com/blogs/andre-barcinski/nao-e-autismo-e-ipad-20150107/
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