Cerca de 15% da população mundial têm algum grau de limitação funcional. Parte dessa grande minoria ainda enfrenta discriminação, invisibilidade e está isolada da convivência social. Não por desejo delas, já que a funcionalidade das pessoas, em um mundo com recursos tecnológicos para compensar as situações limitantes, não é impeditiva de convivência.
“Não vivemos o tempo das cavernas para eliminar pessoas com deficiência. Mas essas pessoas ainda vivem segregadas”, afirmou a professora de medicina UFRJ Izabel Maria Maior, exsecretária nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, durante o Café Filosófico sobre “Deficiências e diferenças”. Foi o terceiro encontro da série “O valor das diferenças em um mundo compartilhado”, que teve a curadoria de Benilton Bezerra Jr.
“O ser-humano tem a capacidade de se reinventar. Mas o desconhecimento do outro é um traçoforte. Somos ainda muito resistentes a mudanças. Achamos que pessoas merecem rótulos, e muitos deles as inferiorizam”, disse a palestrante.
Em sua fala, ela questionou como podemos desconstruir os problemas relacionados ao estigma. “O estigma que leva à não-aceitação do outro como ele é. Não sabemos respeitar pessoas que não sejam exatamente iguais. Mas iguais a quê? Alguém, por acaso, se veste igual?”, questionou. Segundo ela, a associação entre deficiência e a doença faz com que a pessoa portadora de necessidades especiais fique presa, muitas vezes, no âmbito da saúde e da reabilitação. “Mas só reabilitação não é suficiente para ressocialização. É preciso entender a diferença entre o aspecto biológico e social da deficiência.”
“A pessoa precisa provar o tempo todo que ela é capaz de se sobrepor ao rótulo e provar a todos. É o famoso ‘matar um leão por dia’”, afirmou. “A mídia não tem sido uma força motriz para a luta das pessoas com deficiência. Segue falando ‘o deficiente’, por exemplo, e ainda investe no sensacionalismo: se não tem superação, não tem notícia.”
Esse imperativo de superação, afirmou, cria um desequilíbrio: é a pessoa com deficiência que deve se adaptar à sociedade, e não o contrario. “É uma relação de desequilíbrio que diz: mude você se quiser ser normal.”
Ela criticou também programas ao estilo Teleton que expõe crianças chorando para “amealhar a nossa simpatia”. “É importante colaborar, mas a exploração da imagem das pessoas com deficiência, sobretudo crianças, não é positiva.”
Para que a sociedade mude, no entanto, é preciso admitir que somos discriminadores, sobretudo em relação a pessoas com deficiência, que transitam em outros de minorias. “Eu, por exemplo, sou uma pessoa com deficiência, mulher, na terceira idade.”
A ex-secretária afirmou que nas regiões mais pobres do mundo a visibilidade das pessoas com deficiência é quase inexistente. É como se não existissem. Em países como Canadá ou a Espanha, por exemplo, temos a impressão de que há mais pessoas com deficiência. A diferença, disse, é que eles saem de casa: as cidades são adaptadas a eles, e não o contrário.
“Em Barcelona não me senti uma pessoa com deficiência. Não precisei me preocupar com restaurantes e ônibus adaptados”, disse.
Para a professora, inclusão tem a ver com direito social. Que tem a ver com a plataforma de direitos humanos. “Muitas unidades de saúde ignoram as necessidades de mulheres com deficiência. Como fazer mamografia, por exemplo?”, exemplificou. “Só vamos continuar na linha do desenvolvimento social quando entendermos que todos têm contribuições a dar com sua maneira de ver o mundo. O saber de todos colabora para o desenvolvimento e a qualidade de vida de todas as pessoas.”
Sobre a questão das cotas, ela afirmou que ela só existe porque existe discriminação. A maior barreira, porém, é o mercado de trabalho. “Quando se fala em cota, não significa que a pessoa vai passar com qualquer nota. A entrevista (de empego) ainda é a prova de que a discriminação
existe. A lei de cotas é uma maneira de contornar isso.”
Quando há investimentos públicos, afirmou, podemos fazer com que as pessoas com deficiência apareçam. “Arquitetos e engenheiros que não sabem o que é desenho universal são obsoletos. Médicos também precisam saber como informar as famílias de que a criança recém-nascida ou a pessoa acidentada terá limitações.”
Maria Maior criticou também os limites de resultados práticos da Lei de Inclusão. “É preciso fiscalizar a sua aplicação.”
Fonte: institutocpfl.org.br via deficienteciente.com.br
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