Roberta Bento, fundadora do SOS Educação, tem paralisia cerebral e se dedica à inclusão há mais de três décadas. Em entrevista ao #blogVencerLimites, ela fala sobre pessoas com deficiência na educação regular, o isolamento de crianças com deficiência em 'salas especiais' ou 'escolas especiais', os avanços da Lei Brasileira de Inclusão, práticas concretas para inclusão real na educação, e o combate ao preconceito e à discriminação, ainda muito presentes no ambiente educacional.
Luiz Alexandre Souza Ventura para o Estadão
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“Se o aluno precisa de recursos diferentes para acompanhar as aulas e aprender, esse aluno vale cada centavo do investimento”, afirma a consultora educacional Roberta Bento, fundadora do site SOS Educação (www.soseducacao.com.br) – integrado ao Estadão.
Roberta tem 52 anos e convive com uma paralisia cerebral. Ao lado da filha, Taís Bento, atua como consultora educacional, orientando pais, alunos e professores de escolas públicas e privadas. São 32 anos dedicados à educação.
Durante seu período escolar, na década de 1970, o estímulo que recebeu dos pais e dos professores foi fundamental para sua plena inclusão na dinâmica da sala de aula, inclusive nas atividades de educação física.
“Muitos professores cobram das escolas capacitação contínua, porque falta preparo para trabalhar com alunos com deficiência. Há também, por outro lado, mais cooperação com o aluno com deficiência. Vale ressaltar que os pais, sim, precisam de conhecimento para lidar com a inclusão e o acolhimento dos alunos com deficiência”, destaca.
Roberta foi vice-presidente de uma rede global de franquias na área educacional e afirma que, fora do Brasil, nunca se sentiu excluída ou sofreu preconceitos. “Em outros países, as pessoas encaram a inclusão e a acessibilidade de forma natural”, diz. “Na questão da acessibilidade, nosso País ainda está atrasado em diversos aspectos. Por ter alguma dificuldade de locomoção, observo que muitos locais, sejam esses de responsabilidade do poder público, escolas ou empresas, limitam-se a cumprir estritamente a lei, de maneira forçada”, comenta.
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Vencer Limites – Qual a sua avaliação sobre o acesso de pessoas com deficiência à educação regular no Brasil?
Roberta Bento – Penso que, pelo lado positivo, estamos cobertos pela lei. Isso torna toda escola um espaço legalmente aberto às pessoas com deficiência. E assumindo a realidade, temos o lado negativo relacionado à resistência que o brasileiro tem ao cumprimento das leis. Assim, seguimos na vigilância e na luta para que absolutamente todos os estudantes tenham direito à escola, não importa se ele tem ou não algum tipo de necessidade específica.
Vencer Limites – E sobre a mais recente tentativa de isolar crianças com deficiência em ‘salas especiais’ ou ‘escolas especiais’?
Roberta Bento – Ainda acredito no ser humano. E prefiro ver a situação como tendo sido gerada por pessoas com boas intenções, mas sem conhecimento da realidade. A criança inserida no ambiente da sala de aula, junto com todos que estão na mesma etapa de estudo, tem benefícios enormes no seu desenvolvimento. Porém, vai bem além o porque isso faz sentido. Todas as outras crianças se beneficiam também. O amadurecimento e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais contemplam todos que convivem em um ambiente em que a diversidade está presente.
Vencer Limites – A Lei Brasileira de Inclusão determina que as unidades educacionais devem prover todos os recursos de acessibilidade, mas as escolas particulares criticam essa regra e afirmam que isso aumenta o custo com o aluno. Qual a sua avaliação?
Roberta Bento – Acredito que seja verdade. Aliás, espero que seja sempre uma grande verdade. Isso porque, se um aluno precisa de algum recurso diferente para garantir que possa acompanhar as aulas e aprender, esse aluno vale cada centavo daquele investimento. E não importa se é uma carteira para canhoto, uma apostila adaptada ou uma rampa para acesso a todos os espaços.
Cada aluno merece a adaptação necessária para que ele possa atingir seu potencial máximo. A escola deveria estar preparada para permitir que alunos, professores, funcionários, pais e prestadores de serviço tenham acesso a suas dependências e possam usufruir do que ela oferece. E todos devem sentir-se parte daquela comunidade.
Os recursos devem vir de ações que a própria escola pode planejar com a comunidade, empresas parceiras, prestadores de serviços. O desafio de garantir que todos estejam incluídos é de toda a comunidade.
Vencer Limites – Quais práticas têm resultados concretos na inclusão real de pessoas com deficiência na educação?
Roberta Bento – Formação continuada de professores, eis o primeiro desafio a ser vencido ainda em nosso País. Depois a parceria entre a família do aluno e a escola. Juntos, educadores e pais são invencíveis. E, muito importante, a informação para que toda a comunidade esteja unida em prol do sucesso de todos, absolutamente todos os alunos daquela escola. Acreditar que o aluno é capaz de se desenvolver e buscar seu potencial máximo é o segredo para que a inclusão aconteça de fato.
Vencer Limites – Ainda há muito preconceito e discriminação no ambiente educacional quando o aluno com deficiência, principalmente deficiência intelectual, tenta se matricular. Há relatos frequentes de boicote, até mesmo em colégios tradicionais e muito caros. Como resolver esse problema? Como os pais devem reagir? Denunciar é uma opção que tem resultado?
Roberta Bento – Denunciar é um caminho. Mas não devemos parar por aí. Acho que todos deveríamos também divulgar mais as experiências positivas. Talvez assim ajudássemos as escolas que ainda resistem em ver que há grandes benefícios para todos e o quanto é cruel e incoerente uma instituição que se propõe a educar ter uma atitude tão contraditória.
Penso também que os pais devem partir para uma outra opção, se não forem recebidos como merecem em alguma escola. Mesmo que não seja tão próxima ou tão renomada, é melhor ter o filho estudando naquela que o acolheu. A melhor escola é aquela que se propõe a buscar, junto com a família, as ferramentas necessárias para que o aluno se desenvolva.
Quando o foco está no potencial e não na deficiência, os resultados positivos vêm, não há o que temer.
Fonte: Estadão
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