Pesquisadores elaboram cartilha sugerindo ações que podem ser feitas em casa e coordenadas pelas famílias
Por Laís Taine para o folhadelondrina
Desde o início do isolamento domiciliar por conta da pandemia do novo coronavírus, muitas mães vêm relatando dificuldades em manter as crianças ativas em um espaço limitado. Para as crianças e adolescentes com deficiência motora, esse problema é ainda maior, ao considerar as necessidades individuais, a atenção que deve ser redobrada e a exigência de que elas se mantenham praticando exercícios para continuarem evoluindo. Pesquisadoras da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) elaboraram cartilha sugerindo atividades que podem ser feitas em casa e coordenadas pelas próprias famílias.
Folha Arte
“Em casa, é natural que as crianças acabem fazendo menos atividades e tenham um comportamento mais sedentário, mas no caso das que possuem deficiência motora isso se intensifica, tanto pelo fato de não saírem e fazerem terapia, quanto pelas limitações físicas”, explica a doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia, da Ufscar, Beatriz Helena Brugnaro.
A pesquisadora afirma que é fundamental que as crianças com deficiência se mantenham ativas durante o isolamento para não perderem conquistas que tiveram no decorrer do tempo e, assim, não comprometerem a saúde, como a capacidade de alongamento e parte respiratória. No entanto, não é simples levar essa demanda aos pais, que nem sempre possuem conhecimento sobre quais atividades podem aplicar aos filhos.
PERÍODO DE FORTALECIMENTO
Foi observando essa falta que pesquisadoras dos departamentos de Fisioterapia e de Terapia Ocupacional elaboraram a cartilha: “Minimizando o Efeito do Isolamento Social de Crianças com Deficiência Motora – Como Estimular Seu Filho na Participação das Atividades Diárias”, disponibilizada gratuitamente para a comunidade no endereço bit.ly/3ad6GCY.
“Nós percebemos em nosso trabalho que existem muitas famílias instruídas, outras não sabem como lidar ou até mesmo incentivar”, explica Brugnaro. Nesse momento de isolamento domiciliar, as dificuldades aumentam, mas as pesquisadoras acreditam que é período de aprendizado e fortalecimento dos laços familiares.
GRUPO DE RISCO
Crianças com deficiência são grupo de risco para complicações de saúde e precisam ainda mais de atenção. O lado positivo é que envolvê-las nas atividades domésticas pode ser divertido e ainda desenvolve habilidades que contribuem com sua autonomia. “Desde brincadeiras que estimulam coordenação, concentração, até atividades de autocuidado, se alimentar, se vestir, entre outros”, aponta. Arrumar a cama, tomar banho, escovar os dentes, aprender sobre a Covid-19 e atentar-se para a higienização e formas de proteção, além de brincadeiras com recursos para incentivar mobilidade. A cartilha completa conta com diversos pontos que tratam da independência e desenvolvimento motor da criança, estimulando a integração de forma divertida.
ADAPTAÇÃO DAS FERRAMENTAS
As pesquisadoras também dão dicas de adaptação das ferramentas que oportunizam as crianças e adolescentes a fazerem as tarefas com autonomia, como engrossar cabos de escovas e pentes, entortar a colher para que fique mais acessível e de acordo com a necessidade de cada um e também se atentar ao posicionamento corporal durante as atividades.
FAMÍLIA LONDRINENSE
Integração tem sido a palavra-chave dessa quarentena na casa da família de Valentina Berbert Santos, 7, em Londrina. Desde que as suas atividades de rotina foram suspensas, como fisioterapia, terapia ocupacional e escola, pai e mãe passaram a colocar a filha, que tem paralisia cerebral, mais próxima das tarefas domiciliares.
“Todos os dias da semana a Valentina tinha terapia, às vezes no mesmo dia tinha duas. Ela tem dificuldade nos quatro membros e precisa de muita estimulação. Como a parte lesada dela é motora e falar é motor, comer é motor, então ela precisa de bastante assistência”, cita a mãe Michelle Berbert, 44.
IMPORTÂNCIACom o isolamento domiciliar, as atividades foram paralisadas e as tarefas incumbidas aos pais. Desafiador, mas acabou trazendo grandes reflexões e experiências. “Eu fazia a troca dela no trocador e ela não é mais um bebê, ela tem 7 anos”, comenta. Valentina também passou a escovar os dentes dentro do banheiro. “Está sendo muito engraçado, porque ela está se vendo no espelho, ela tenta fazer o movimento e isso é muito importante”, afirma.
Arquivo pessoal
'QUARTO DE MOÇA'
Nesse período em casa com a família, a criança deixou de dormir com os pais para ir definitivamente para o seu quarto, que sofreu alterações. “Nessa quarentena, nós mudamos o quarto dela para um quarto de moça. Ela acorda no meio da noite e fica admirada, porque colocamos umas luzes de mocinha, demos oportunidade de ela vivenciar esse momento dela”, comenta. A cadeira de rodas agora entra no cômodo novo.
PERTENCIMENTO DA CASABerbert é autônoma, continua trabalhando, porém, em formato e tempo diferentes. Agora está mais atenta à inclusão da filha na rotina da própria casa. “Eu sempre fiz isso, mas agora com mais intensidade, porque tenho mais tempo. Em todas as coisas eu a posiciono e a integro. Ela lava louça comigo, ajudo a abrir a mão, pegar a bucha, fazer o movimento, o que acaba sendo uma terapia e ela tem um sentimento de pertencimento da casa”, afirma.
CANAL COM DICASCom tantas novidades, a filha ganhou um canal no Youtube para mostrar a nova rotina. O "Dicas da Valentina" mostra como a família tem integrado a criança às atividades domiciliares. Lavar roupa, passar os próprios panos de boca, brincadeiras são expostos em vídeos para que outras famílias possam se inspirar. “Eu fico pensando o que uma criança de 7 anos estaria pensando, fico antenada no cognitivo deles para tentar redirecionar ao dela, para não infantilizar também, porque existe essa tendência de pessoas com deficiência serem infantilizadas”, comenta a mãe.
AUTONOMIA
Apesar das dificuldades de se manter qualquer criança isolada em casa, Berbert acredita que a quarentena tem seu lado positivo. “Acho que esse momento está sendo muito importante para você olhar para o seu modo de viver, de interagir com seu filho, olhá-lo como ser humano e descobrir que ele pode”, afirma. “Eu quero que ela seja uma pessoa independente, não se vai acontecer, mas estou ensinando princípios de autonomia e suprindo o emocional dela de querer estar ali e não conseguir verbalizar.”
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