Os impactos que a pandemia de COVID-19 tem acarretado para a população em geral têm sido amplamente discutidos: eles são visíveis e podem ser comprovados. Neste momento atípico e carregado de informações, é preciso redobrar a atenção ao público de pessoas com deficiência.
Quando abordamos esse tema, nos deparamos com uma complexidade e uma diversidade de situações (e de diagnósticos clínicos e causais) ligadas às deficiências. Seria difícil estabelecer um foco muito específico. Entretanto, a título de exemplo, falaremos das pessoas com diagnóstico de paralisia cerebral: pessoas com Atrofia Muscular Espinhal (AME), pessoas com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e pessoas que padecem de outras doenças raras, que tornam mais frágil sua condição individual. Esse público, principalmente quando se trata de crianças, depende, muitas vezes, de cuidados diários de home care e de equipe terapêutica para manutenção de atividades básicas da vida diária; além disso, muitos desses indivíduos fazem uso de ventilação mecânica e apresentam sistemas respiratório e imunológico comprometidos.
É importante esclarecer, de antemão, que a deficiência por si só não é taxativa para a vulnerabilidade à COVID-19, ou seja: a existência de uma deficiência não coloca, automaticamente, a criança com deficiência como “mais vulnerável à COVID-19”.
Quais condições merecem atenção?
Crianças:
- que são traqueostomizadas;
- que são gastrostomizadas;
- que usam ventilador mecânico;
- que possuem restrições respiratórias;
- que apresentam dificuldades de comunicação;
- que necessitam de aspirações;
- que possuem histórico de sistema imunológico comprometido;
- com pneumonia, principalmente de repetição;
- que apresentam outras condições que afetem a sua saúde como um todo – por exemplo, a presença de epilepsia descontrolada e o uso de medicações crônicas.
É muito importante manter-se atento(a), pois crianças com deficiência podem ter piora brusca no quadro geral de saúde, com comprometimento da mobilidade, da força e aumento da fadiga. Algumas crianças com deficiência podem não conseguir comunicar com clareza o que estão sentindo, o que pode prejudicar o diagnóstico para a COVID-19.
E o que fazer diante de algum destes casos?
Converse com médicos(as) e terapeutas que acompanham a criança para receber orientações individuais sobre como cuidar e prevenir a infecção pelo coronavírus. De forma geral, os tratamentos e as medicações não devem ser abandonadas nem interrompidas, a não ser que exista indicação médica para isso. No mais, é preciso ficar alerta e redobrar cuidados e ações de prevenção.
Cabe ressaltar que, independente da deficiência, é preciso manter a calma para não gerar quadros de ansiedade nos indivíduos, principalmente nas crianças que tiveram suas rotinas completamente alteradas por conta da prática do isolamento social. Isso é fundamental, pois a ansiedade pode comprometer a imunidade! Além disso, uma vez que pessoas com deficiência podem apresentar dificuldades de comunicação, os familiares e cuidadores devem observar, sempre, todos os sinais de desconforto que elas venham a apresentar e que possam indicar contaminação pelo novo coronavírus (por exemplo, dificuldade para respirar, febre e tosse seca).
Se você possui dúvidas sobre sua filha/seu filho estar ou não no grupo de risco, entre em contato com o(a) médico(a) ou equipe de Saúde que o(a) acompanha e informe-se para saber quais medidas e cuidados específicos podem ser instituídos em cada caso.
Série de cuidados: o que se pode fazer?
Algumas crianças com deficiência costumam levar as mãos (e alguns objetos) à boca. Portanto, é preciso se certificar de que a mão está constantemente limpa e higienizada, assim como os objetos manipulados pela criança. As crianças com déficits cognitivos nem sempre conseguirão manter frequentes os cuidados com a higiene. A atenção deve ser redobrada, sempre. Portanto:
- lave as mãos frequentemente, com água e sabão/sabonete, por pelo menos 20 segundos. Se não houver água e sabão/sabonete, use um desinfetante para as mãos à base de álcool;
- evite tocar os olhos, o nariz e a boca caso as mãos não tenham sido lavadas;
- evite o contato com pessoas doentes;
- fique em casa! Terapeutas e demais profissionais que atendem crianças com deficiência podem dar várias dicas de atividades interessantes para que elas façam tudo em casa (pensando, também, em processos de reabilitação);
- limpe e desinfete objetos e superfícies tocadas com frequência, incluindo equipamentos de tecnologia assistiva (como cadeira de rodas, principalmente a região dos aros de impulsão e as manoplas, órteses, próteses etc.);
- se não for urgente, não vá a hospitais, a sessões de terapia e não frequente atividades com equipamentos/recursos compartilhados; lembre-se de que há a opção de realizar o acompanhamento das crianças por meio de atendimento remoto, como o telemonitoramento e a teleconsulta.
Além de tudo isso, não podemos nos esquecer de que crianças têm formas de compreender e comunicar sentimentos e pesares diferentes dos entendimentos dos adultos. É importante pensar estratégias de cuidado específicas para elas. A ruptura da rotina e o afastamento de espaços e pessoas de significado para o contexto da criança (colegas, terapeutas, professores, familiares) podem gerar grande sofrimento. Isso precisa ser reconhecido e minimamente acolhido e amenizado. Algumas dicas são bastante úteis:
- QUANDO A CRIANÇA APRESENTA COMUNICAÇÃO VERBAL… Convide a criança para falar sobre o assunto, sempre utilizando palavras e frases simples. Se ela é muito nova e ainda não ouviu falar sobre a pandemia, talvez você não precise levantar esta questão com ela (apenas aproveite a oportunidade para lembrá-la sobre boas práticas de higiene, sem introduzir novos medos)
- DESENHOS, HISTÓRIAS E OUTRAS ATIVIDADES PODEM AJUDAR A COMEÇAR UMA CONVERSA! Respeite os níveis de compreensão da criança – seja por condições provenientes da deficiência ou por conta da idade –, e sempre dê informações objetivas, fazendo com que ela se sinta segura.
- FAÇA JUNTO! Transforme momentos de histórias e de explicações em situações interativas que auxiliem a criança diretamente no que ela precisa. Para isso, mobilize informações visuais: use desenhos, quadrinhos, colagens etc.
- MANTENHA UM RITMO. Crianças se beneficiam da rotina e da estrutura. Por isso, ainda que as regras usuais sejam inicialmente afrouxadas, tente manter uma estrutura e responsabilidades familiares. Incentive as crianças para que continuem brincando e socializando com os outros, mesmo que isso se dê apenas dentro da família, uma vez que há a restrição ao contato físico.
E os(as) cuidadores(as)?
Sabe-se que há maior sobrecarga para os(as) cuidadores(as) familiares de pessoas com deficiência. Estudos apontam que, quando comparadas aos pais de crianças com desenvolvimento típico, pessoas que cuidam de crianças com deficiências motoras, por exemplo, apresentam menores índices de percepção de qualidade de vida nos domínios de saúde física, saúde psicológica, relações sociais e ambientais (OKUROWSKA-ZAWADA et al., 2011; GUYARD et al., 2011).
A saúde (psicológica e física) desses(as) cuidadores(as) pode ser fortemente influenciada por fatores vindos da criança/do adolescente (tais como os fatores comportamentais), bem como por demandas oriundas do cuidado, podendo levá-los(as) ao cansaço, ao isolamento, à sobrecarga, ao estresse, desencadeando perturbação da regulação normal de suas emoções, problemas de sono, dificuldades de manutenção das relações sociais e dependência em longo prazo (DAVIS et al., 2010; LIM; ZEBRACK, 2004; RAINA et al., 2005).
Embora um ambiente doméstico seguro tenha o potencial de maximizar as capacidades da criança/do adolescente e de minimizar o impacto da deficiência, ele também pode causar impacto sobre a saúde e qualidade de vida dos(as) cuidadores(as), uma vez que há um esforço constante para melhorar o desenvolvimento da criança/do adolescente – esforço que vem acompanhado de sentimentos de dúvida, culpa e vergonha (LIM; ZEBRAK, 2004; EKER; TÜZÜN, 2004; DAVIS et al., 2010).
Diante disso, é fundamental pensar na saúde desses(as) cuidadores(as) no contexto da pandemia de COVID-19, uma vez que a medida de isolamento social é considerada a mais indicada para a prevenção do contágio em massa.
Entrevistas
No intuito de compreender melhor como cuidadores(as) familiares de crianças com algum tipo de deficiência estão vivenciando este momento, entrevistamos cinco pais de São Carlos-SP e região sobre as dificuldades e preocupações que eles têm enfrentado durante período de isolamento.
A mudança na rotina familiar aparece como um dos tópicos mais recorrentes. Com a suspensão das atividades escolares e das terapias presenciais, o cuidado da criança deixou, de certa forma, de ser compartilhado com essa rede de apoio. A convivência e a rotina de cuidados da criança – que incluem outras demandas nesse período, tais como a realização de atividades escolares a distância, indicadas por profissionais que a acompanham –, somadas às atividades domésticas e ao teletrabalho, intensificam a sobrecarga dos(as) cuidadores(as).
Por isso, é importante entender que sentir ansiedade e cansaço é normal, ainda mais nesse momento. Manter o diálogo com a família e organizar a rotina compartilhando o cuidado e fazendo o possível, sem cobranças, são estratégias para enfrentar momentos difíceis.
Lembre-se: proteja sua filha/seu filho e sua família e fique em casa. Converse com médicos(as), terapeutas e profissionais da Saúde sobre as melhores maneiras para atravessar este momento crítico e informe-se sobre orientações específicas para o seu caso.
Referências
- ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Como falar com suas crianças sobre o novo coronavírus. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/como-falar-com-criancas-sobre-coronavirus. Acesso em: 27 maio 2020.
- FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Recomendações para o cuidado de crianças em situação de isolamento hospitalar. Disponível em: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/04/cartilha_criancas_06_04.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
- BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Pessoas com deficiências e doenças raras e o COVID-19. Disponível em: https://sway.office.com/tDuFxzFRhn1s8GGi?ref=Link. Acesso em: 27 maio 2020.
- OKUROWSKA-ZAWADA, B.; KULAK, W.; WOJTKOWSKI, J.; SIENKIEWICZ, D.; PASZKO-PATEJ, G. Quality of life of parents of children with cerebral palsy. Prog Health Sci, v. 1, n. 1, 2011, p. 116-23. Disponível em: https://www.umb.edu.pl/photo/pliki/progress-file/phs/phs_2011_1/116-123_okurowska-zawada.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
- DAVIS, E.; SHELLY, A.; WATERS, E.; BOYD, R.; COOK, K.; DAVERN, M. The impact of caring for a child with cerebral palsy: quality of life for mothers and fathers. Child: care, health and development, v. 36, n.1, 2010, p. 63-73. Disponível em: https://sci-hub.tw/10.1111/j.1365-2214.2009.00989.x. Acesso em: 27 maio 2020.
- GUYARD, A.; FAUCONNIER, J.; MERMET, M.-A.; CANS, C. Impact on parents of cerebral palsy in children: a literature review. Arch Pediatr, v. 18, n. 2, 2011, p. 204-214. Disponível em: https://sci-hub.tw/10.1016/j.arcped.2010.11.008#. Acesso em: 27 maio 2020.
- LIM, J.; ZEBRACK, B. Caring for family members with chronic physical illness: a critical review of caregiver literature. Health Qual Life Outcomes, n. 2, 2004, p. 1-9. Disponível em: https://sci-hub.tw/10.1186/1477-7525-2-50. Acesso em: 27 maio 2020.
- RAINA, P.; O’DONNEL, M.; ROSENBAUM, P.; BREHAUT, J.; WALTER, S. D.; RUSSEL, D.; SWINTON, M.; ZHU, B.; WOOD, E. The health and well-being of caregivers of children with cerebral palsy. Pediatrics, v. 115, n. 6, 2005, p. 626-636. Disponível em: https://sci-hub.tw/10.1542/peds.2004-1689. Acesso em: 27 maio 2020.
- EKER, L.; TÜZÜN, E. H. An evaluation of quality of life of mothers of children with cerebral palsy. Disabil Rehabil, v. 26, n. 23, 2004, p. 1354-1359. Disponível em: https://sci-hub.tw/10.1080/09638280400000187. Acesso em: 27 maio 2020.
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