quarta-feira, 6 de maio de 2020

Mães de crianças portadoras de deficiências criam novas atividades para os filhos durante quarentena e buscam manter desenvolvimento

Com a suspensão das aulas e dos atendimentos das entidades que atendem a pessoas portadoras de deficiências, as mães tiveram que inovar para criar atividades que auxiliam no desenvolvimento dos filhos.



Acordar cedo, levar o filho na terapia ou na escola, fazer atividades e passear com a família, essa era a rotina da moradora de Santa Isabel Priscila Aparecida, mãe de dois filhos. Kevin, de 5 anos, tem paralisia cerebral, que afeta a coordenação motora. Com dificuldade de utilizar as mãos, os exercícios realizados na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) são importantes para o desenvolvimento da criança.

Kevin ia para a AACD às segundas e terças-feiras para realizar exercícios, como fisioterapia aquática, terapia ocupacional, psicopedagogia e fonoaudiologia. Nos outros dias da semana ia para a escola municipal. Na segunda semana de março, por causa da pandemia do coronavírus, parou com as atividades cotidianas e teve a rotina alterada.

Especialistas orientam que, apesar do afastamento social, as crianças e adolescentes não deve ficar sem atividades físicas e intelectuais

Por isso, Priscila teve que encontrar outras atividades para ajudar o filho. A suspensão das aulas e dos serviços da AACD gerou grandes mudanças no cotidiano da família. “Depois que começou a pandemia, a rotina do Kevin se alterou. Para auxiliar na terapia eu coloco ele no parapódium, às vezes, levo ele para andar na rua, com o andador, quando tem pouco movimento”, conta a mãe.

O parapódium é um equipamento que auxilia na manutenção da postura da criança. Ele ajuda também que a postura seja mantida de forma simétrica.

Kevin, de 5 anos, tem possui paralisia cerebral que afeta a coordenação motora. — Foto: Priscila Aparecida/Arquivo Pessoal
Kevin, de 5 anos, tem possui paralisia cerebral que afeta a coordenação motora. — Foto: Priscila Aparecida/Arquivo Pessoal

Mesmo com o coronavírus, os exercícios, segundo Priscila, seguem sendo diários. Até mesmo as atividades cotidianas são aproveitadas.

“Quando ele brinca com os brinquedos, eu peço para utilizar as mãos, porque ele tem mais dificuldades. Ele gosta de jogar jogos no tablet com os pés, porque criou bastante habilidade assim, mas sempre estou dando atividades para ele mexer com as mãos."

As aulas on-line com o professor de música David Moraes também têm feito a diferença no dia a dia de Kevin. “O professor passa atividades que estimulam a coordenação motora dele e isso é muito importante porque a criança especial está acostumada com uma rotina e, quando sai dela, acaba gerando estresse”, explica Priscila.

Kevin fazendo exercícios no andador dentro de casa. — Foto: Priscila Aparecida
Kevin fazendo exercícios no andador dentro de casa. — Foto: Priscila Aparecida

David Moraes é educador musical, especialista em musicalização infantil, e faz parte da equipe de professores de música das escolas municipais de Santa Isabel. O professor dá aula para turmas do pré até o segundo ano, criando o primeiro contato das crianças com a música. Kevin é um dos alunos de David e o professor realiza adaptações para garantir a inclusão social.
“Um exemplo disso é a atividade do Vivo Morto Musical, em que eu toco a nota Dó (morto) e a nota Si (vivo), e nessa clássica brincadeira temos que abaixar no morto e levantar no vivo. Eu adapto para o Kevin, pedindo pra ele mexer o pé no morto (nota Dó) e levantar as mãos no vivo (nota si)."
Para o professor, o esforço do Kevin nas atividades é contagiante. “Eu tenho uma paixão pela inclusão, e o Kevin contagia todo mundo, e eu acabei me afeiçoando muito a ele”, relata David.

Cristiane Muniz é mãe de Natally, de 7 anos, diagnosticada com uma má-formação congênita chamada mielomeningocele. As duas moram na cidade de Itaquaquecetuba. No dia 10 de março, Natally passou por uma cirurgia de correção de escoliose.

Para ajudar na recuperação, a mãe realiza diversas atividades com a filha, como alongamentos aprendidos na terapia de reabilitação, brincadeiras com massinhas de modelar, desenhos, pinturas e culinária. Com o quadro pós cirúrgico de Natally, os exercícios de fisioterapia foram suspensos devido as dores que a menina sente.

Natally fazendo as atividades em casa durante o período de quarentena de prevenção do coronavírus. — Foto: Cristiane Muniz
Natally fazendo as atividades em casa durante o período de quarentena de prevenção do coronavírus. — Foto: Cristiane Muniz

Com a cirurgia, a rotina de Natally foi alterada, e Cristiane está tentando ajudar a filha a se adaptar ao novo cotidiano. “As atividades ajudam a não ficar atrofiada, antes da cirurgia ela secava a louça, ajudava a passa o aspirador, agora ela está se recuperando para voltar a rotina”.

Natally fazendo bolo com a mãe Cristiane. — Foto: Cristiane Muniz
Natally fazendo bolo com a mãe Cristiane. — Foto: Cristiane Muniz

Ajuda em tempo de pandemia

Segundo a superintendente de práticas assistenciais da AACD, Alice Rosa Ramos, a instituição orienta pacientes e familiares a reproduzirem os exercícios nas residências após as terapias.
“É muito importante que o paciente siga fazendo sua rotina diária de exercícios de acordo com o que o próprio terapeuta orientou durante as sessões de terapia realizadas na AACD."
Ainda de acordo com a profissional, podem ser aplicados em pacientes com deficiência motora, alongamentos dos membros inferiores e superiores para manter a mobilidade das articulações e o relaxamento e exercícios para a manutenção da força muscular e movimentação ativa dos membros inferiores e superiores.

Durante o período de quarentena, a AACD está disponibilizando vídeos com profissionais da área, nos canais do YouTube e nas redes sociais, tanto para pacientes, como para o público geral. Os vídeos contam com orientações de fisiatras, ortopedistas, terapeutas, psicólogos e enfermeiros, sobre exercícios para praticar em casa e temas de higiene pessoal e saúde mental.

De acordo com Ana Paula Nogaroto, diretora da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Mogi das Cruzes, o período de pandemia gerou um cenário bem diferente do convencional. Os alunos que estavam retornando do recesso, tiveram que interromper as atividades novamente e isso pode afetar o desenvolvimento.

A Apae adota para o currículo exercícios funcionais naturais que auxiliam na independência das crianças portadoras de deficiência. Segundo a diretora, durante a quarentena os pais podem aplicar atividades do cotidiano com os filhos, como ler histórias, conversar para estimular o convívio social e a interação entre os membros da família, assistir programas culturais e educativos e fazer brincadeiras antigas para fugir do uso de aparelhos eletrônicos.

A unidade da Apae de Mogi das Cruzes oferece atendimento com a assistente social para os pais que participam da associação, orientando também como lidar com as crianças durante a quarentena.

Uma nova rotina

A rotina de Érika Barbosa da Silva, de Mogi das Cruzes, com os dois filhos, também mudou muito na quarentena. Pablo, de 13 anos, tem deficiência intelectual, síndrome parksoniana e alterações neurológicas. Já Larissa, de 8 anos, foi diagnosticada com autismo, epilepsia e transtorno desafiador de oposição (TOD).

Com o isolamento social, a mãe encontrou o desafio de distrair as crianças para não se sentirem presas em casa. "Eles sempre ficam ansiosos e agitados, sem entender porque não podem sair, isso é difícil, pois antes do isolamento, íamos visitar os avós e amigos. Toda vez que acordam, eles perguntam para onde vamos sair e o que vamos fazer, eles se sentem presos mesmo com atividades e brincadeiras", relata Érika.

Larissa e Pablo fazendo atividades em casa durante o período de quarentena do coronavírus — Foto: Erika Barbosa da Silva
Larissa e Pablo fazendo atividades em casa durante o período de quarentena do coronavírus — Foto: Erika Barbosa da Silva

Para distrair as crianças, Érika faz diversas atividades em família. "Em casa estamos tentando ocupar eles com atividades pedagógicas por meio de jogos, brincadeiras e filmes, mas quando não tem jeito, temos que sair um pouco com eles, colocamos eles dentro carro e damos um volta no bairro", conta.

Larissa montando o quebra-cabeça em casa — Foto: Érika Barbosa da Silva
Larissa montando o quebra-cabeça em casa — Foto: Érika Barbosa da Silva

Juliana Rodrigues Pereira, também de Mogi das Cruzes, é mãe de Luiz Paulo, de 15 anos, diagnosticado com autismo e epilepsia. Todos os dias, ela e o marido levavam o filho para a Apae e iam trabalhar. Luiz Paulo, nas segundas e quintas-feiras também tinha consulta com a fonoaudióloga e a fisioterapeuta.

Após a suspensão das atividades por causa da quarentena, Juliana teve que largar o emprego para se dedicar aos cuidados com o filho.
"Sai do serviço porque tomava conta de uma pessoa de idade, o que poderia complicar ainda mais a saúde dela, como também do meu filho. Para ele que precisa de uma rotina é difícil conseguir isso em casa. A professora tem nós ajudado, orientando e apresentando opções de atividades"
Luiz Paulo, de 15 anos, fazendo atividade com massinha de modelar — Foto: Juliana Rodrigues Pereira 
Luiz Paulo, de 15 anos, fazendo atividade com massinha de modelar — Foto: Juliana Rodrigues Pereira

Juliana encontrou na internet inspiração para criar atividades que ajudassem Luiz Paulo, e começou aplicar em casa com o filho.

"Fizemos alguns jogos, brincadeiras com massinha, montagens com papel. Subimos alguns degraus de escada no condomínio, é claro que obedecendo as recomendações dos órgãos competentes. Andamos com ele no estacionamento do condomínio, de bicicleta e caminhando", relata a mãe.

Luiz Paulo brincando no estacionamento do condomónio  — Foto: Juliana Rodrigues Pereira
Luiz Paulo brincando no estacionamento do condomónio — Foto: Juliana Rodrigues Pereira

Apesar das dificuldades, a quarentena está sendo um momento para aproveitar com a família segundo Juliana. "Para quem não ficava em casa é bem difícil, mas estou aproveitando muito com meu filho e meu esposo. As vezes ficamos ansiosos e irritados. Meu filho tem crises convulsivas por ficar sem rotina e entediado, mas estamos aproveitando muito para ficarmos juntos, o que está sendo muito bom", conta.

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