Flávia Albaine para o justificando.com
A educação é um direito fundamental previsto nos artigos 205 a 214 da Constituição Federal de 1988, além de outros atos normativos e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Apesar de ser um direito fundamental e de suma importância para que o indivíduo possa se desenvolver objetivando a realização da vida em todas as suas potencialidades, o cenário brasileiro tem demonstrado que tal direito – assim como tantos outros direitos fundamentais – ainda é restrito apenas para uma parcela da população diante de inúmeros obstáculos políticos, sociais, culturais e de tantas outras ordens que se fazem presentes.
Nesse artigo iremos nos ater a uma breve análise do acesso ao sistema educacional inclusivo para crianças e adolescentes com deficiência.
O Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo facultativo em agosto de 2008, através do Decreto Legislativo 186 de 09 de julho de 2008. A referida Convenção foi promulgada pelo Decreto 6.949 de 25 de agosto de 2009, data de sua vigência no plano jurídico interno. A Convenção e o seu protocolo facultativo possuem status de norma constitucional, uma vez que o respectivo processo de incorporação observou o procedimento do artigo 5º, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988.
Em decorrência da Convenção, o Brasil adota, desde 2009, no plano interno, o modelo social de deficiência, o qual passa a ser considerado internacionalmente como uma questão de direitos humanos. De acordo com esse novo modelo, a deficiência deixa de ser uma característica exclusivamente individual da pessoa para se tornar uma questão social, na medida em que passa a ser a resultante da interação entre as limitações da pessoa e as barreiras sociais que obstruem a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais. Diante desta logística, a sociedade é convocada para eliminar barreiras com o objetivo de promover a efetiva inclusão social da pessoa com deficiência.
Em consonância com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo facultativo, o Brasil promulgou a Lei 13.146 de 2015, mais conhecida como o Estatuto da Pessoa com Deficiência ou Lei Brasileira de Inclusão, e que, igualmente, traz como pano de fundo do processo de inclusão desse grupo de pessoas o modelo social de deficiência, que objetiva a conscientização da sociedade de que ela é que precisa ser capaz de atender as necessidades de seus membros.
Ressalte-se que o sistema educacional inclusivo é um direito fundamental, expressamente previsto no artigo 208, inciso III da Constituição Federal Brasileira, no artigo 24 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e nos artigos 27 a 30 do Estatuto da Pessoa com Deficiência; além de outros diplomas nacionais e internacionais do qual o Brasil é signatário. Ademais, é indiscutível o protagonismo que o acesso à educação assume diante de qualquer tentativa de transformação social que se pretende duradoura e profunda.
Dentro de todo esse contexto é que a sociedade brasileira deve ser chamada a reflexão sobre como atuar para a efetivação do direito a educação de crianças e adolescentes com deficiência, assim como para eliminar algumas das barreiras que ainda obstruem o gozo pleno de tais direitos.
Em experiência pessoal na condição de Defensora Pública e realizando o trabalho de educação em direitos pelo interior do estado de RO, eu pude constar a falta de estrutura das entidades do ensino público para a efetivação do direito à educação de seus alunos com algum tipo de deficiência. As colocações mais constantes para justificar a debilidade do ensino inclusivo na região foram: professores relatando que a graduação não lhes concedeu conhecimento técnico para tal e que a escola também não investe em cursos de capacitação com esse objetivo, ausência de equipe interdisciplinar para atender as necessidades do aluno com deficiência, carência de planos de ações personalizados que considerem as peculiaridades do aluno com deficiência e pouco investimento em tecnologias assistivas que objetivem a inclusão do aluno com deficiência no ambiente escolar. Cita-se, ainda, os dados estatísticos do IBGE, que demonstram o quão as pessoas com deficiência ainda estão fora do sistema de ensino e do mercado de trabalho.
Chama-se atenção, no presente artigo, para a necessidade da implementação de medidas concretas que façam com que as escolas saiam de suas rotinas passivas na busca por um ambiente escolar mais inclusivo. Pois assim, deixaremos de ter um mero processo de integração, onde a escola não muda como um todo, mas o aluno com deficiência é instigado a se “normalizar” o quanto possível para acompanhar as exigências escolares; para haver um processo de inclusão, onde a escola é que deve se estruturar de acordo com as necessidades de seus alunos (com ou sem deficiência), educando-os e preparando-os para assumirem o seu papel na sociedade enquanto cidadãos.
Algumas dessas medidas de apoio ao sistema educacional inclusivo podem ser encontradas no artigo 28 do Estatuto da Pessoa com Deficiência cujo rol não é exaustivo e que prevê a inclusão da deficiência no conteúdo programático dos cursos superiores, a efetiva oferta de profissionais de apoio para viabilizar a inclusão, o ensino de libras e brailes para os estudantes, a adaptação do ambiente escolar para garantir condições de acessibilidade, o estímulo à realização de pesquisas sobre o tema, a participação dos estudantes com deficiência nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar, dentre outros.
Portanto, é preciso que a sociedade comecea pensar em como tornar essas medidas uma realidade dentro das escolas brasileiras. Como dito alhures, muitos ainda são os obstáculos que impedem a concretização do acesso ao ensino inclusivo. Entretanto, o trabalho de inclusão escolar precisa ganhar contornos mais concretos.
Não temos a pretensão de esgotar o tema em debate nesse singelo artigo, mormente diante da complexidade que é inerente ao mesmo. Queremos deixar a nossa reflexão sobre a importância de mudanças para que as pessoas com deficiência também estejam englobadas na expressão “todos” quando o artigo 205 da Constituição Federal diz que “a educação é um direito de todos”.
Flávia Albaine é bacharel em Direito pela UFRJ (2008), é especialista em Direito Privado pela UERJ (2016). Atualmente é Defensora Pública do Estado de RO e membro integrante da Comissão de Pessoas com Deficiência e Comissão dos Direitos da Mulher da Associação Nacional de Defensoras e Defensores Públicos (desde julho 2018) e criadora do Projeto Juntos Pela Inclusão Social.
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