Marcia Loss de Carvalho e Gabriela
“Salacadula Mexicabula Pift Poft Pum; junta isso tudo e teremos então, pift poft pum!”. Não era assim que dizia a Fada Madrinha do filme Cinderela? Era só balançar a varinha de condão e dizer as palavras mágicas que tudo estaria resolvido. Bom… Pelo menos até a meia-noite! Só que Márcia foi outro tipo de fada madrinha para mim e para minha filha, até porque nossas demandas não se tratavam de ir ao baile ou encontrar um príncipe. Ela foi a “fada madrinha da orientação”, “da paciência” e “do carinho”.
Foi com ela que eu aprendi informações valiosas sobre como lidar com minha pequena, e também foi com ela que a Gabizinha deu seus primeiros passos na fala. Exatamente por isso que eu fico muito feliz em trazer hoje, neste texto, o resultado de uma conversa com essa incrível profissional que eu tanto admiro. Espero que essa pessoa que me ajudou tanto a compreender melhor sobre o autismo também ajude cada pai e mãe leitores a entenderem melhor sobre como é o tratamento de fonoaudiologia para criança autista.
É bastante comum o atraso na fala ser um dos primeiros pontos notados pelos pais e mães de crianças com autismo e, definitivamente, uma das nossas maiores preocupações. E o trabalho do fonoaudiólogo é essencial nesse sentido! Isso porque, ao contrário do que muitos pensam (e eu já pensei assim um dia), um fonoaudiólogo não trabalha apenas o “falar de forma clara”, o “falar bem”, o “não trocar o ‘l’ pelo ‘r’”. O fonoaudiólogo pode realizar também um trabalho ligado a um fator essencial de nossa existência: a comunicação e, mais especificamente, a comunicação pela fala.
Comunicar-se não é essencialmente “falar certo”, mas falar de forma a ser compreendido – e, para muitas crianças com autismo, cada vitória nesse sentido é “A” vitória. Justamente, nesse sentido é que Márcia se coloca plenamente favorável à intervenção fonoaudiológica precoce, pois quanto mais cedo procurarmos a melhoria da comunicação com a criança com autismo, melhores resultados teremos, e melhor será sua inclusão na sociedade.
Marcia também explica que a estimulação fonoaudiológica com a criança autista é o que poderíamos chamar de “estimulação global”, focada em ensinar a criança primeiramente a falar o nome das coisas que estão ao seu redor em seu dia a dia, dando instrumentos para seus primeiros passos em comunicação pela fala. Só que não é tão simples assim! Para a criança, esse processo não pode ser uma tortura. Pelo contrário! Deve ser um momento de prazer!
Para fazer a criança se interessar pelo processo, a fonoaudióloga infantil aponta que transformar isso em brincadeira e se apropriar bastante do mundo lúdico é fundamental. Aos poucos a criança vai construindo um repertório, que, quando aprendido, passa a ser requisitado com doçura em suas sessões e em sua vida diária.
E se você está preocupado por acreditar que seu filho nunca faria de boa vontade aqueles exercícios de rosto, boca e respiração que algumas terapias fonoaudiológicas fazem, pode ficar tranquilo. O foco é ensinar a criança a conseguir se comunicar. Pedir, recusar, chamar… Esse é o objetivo. Enquanto a maioria dos tratamentos fonoaudiológicos está mais voltado à articulação da fala, o tratamento com crianças autistas tem como objetivo a linguagem para a comunicação.
Como materiais de trabalho, Márcia usa imagens, fotos, jogos, espelho e muita criatividade. Coisas do cotidiano não são deixadas de fora. A criança fez cocô na fralda durante a sessão? Ela usa isso como ferramenta para a terapia (no caso o ato de trocar a fralda, não o cocô em si!), a criança chegou com fome e trouxe um lanchinho? Que boa oportunidade para abordar a fala em torno do tema comida.
Outra ferramenta essencial nesse trabalho são os pais e a escola: todos devem estar andando em um mesmo sentido, como uma engrenagem! O envolvimento dos pais, das pessoas que convivem com a criança e dos professores é fundamental.
Marcia (que trabalha há 30 anos com crianças autistas) ainda dá algumas dicas que podem ser facilmente aplicadas no dia a dia: usar o nome real das coisas, sem diminutivos ou apelidos; quando a criança tem dificuldade em responder alguma pergunta sempre dar duas opções; sempre reforçar as pequenas conquistas. E essa última dica talvez seja mais importante: se você perguntou se seu filho quer “água ou suco” e ele pela primeira vez disse “á” (ao invés de água), isso já é uma vitória a ser comemorada. É de pouquinho em pouquinho que as grandes evoluções acontecem!
Concordo muito com a Márcia quando ela diz que devemos comparar a criança com ela mesma e não com outras crianças, embora eu saiba que isso é muito difícil, já que em nossa ansiedade de mãe às vezes buscamos como referência o padrão de tipicidade como uma forma de, na comparação, tentar prever o futuro. Mas o fato é que cada superação é uma superação a ser festejada, independente se para outra criança considerada típica de mesma idade aquela atitude seja algo corriqueiro.
Para minha filha, o trabalho com a Marcia é extremamente importante. Pois foi a partir daí que tivemos os primeiros resultados quanto à fala. E é por minha experiência pessoal que digo que, se seu filho tem autismo e o médico assistente recomendou que ele seja encaminhado a um fonoaudiólogo, não perca tempo! O tratamento adequado pode, sim, mudar a vida de seu pequeno (ou pequena) para sempre.
Apesar de achar Marcia uma fada madrinha, sei que foi seu conhecimento científico que levou a Gabi a evoluir tanto em suas mãos. Mas para mim, como mãe… Cada vitória parece um pouquinho mágica, não!? “Salacadula Mexicabula Pift Poft Pum; isso é magia acredites ou não, pift poft pum!”
Hanna Baptista para o Gazeta do Povo
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