A primeira reação de familiares e amigos é a de tentar consolar os pais, como se sobre os pais de uma criança com síndrome de Down houvesse se abatido uma enorme tragédia. É uma reação que frutifica a partir do desconhecimento a respeito da síndrome de Down e, especialmente, por desconhecimento dos grandes avanços que a medicina e ciências correlatas obtiveram nas últimas décadas. Os pais de crianças com síndrome de Down não precisam ser consolados.
A vida de uma criança com síndrome de Down nascida na última década é muito diferente da vida que uma criança com síndrome de Down tinha no passado recente. Hoje, a medicina, especialmente diante de problemas cardiológicos, avançou significativamente. Livres dos problemas cardiológicos, seja porque não os tem ou seja diante dos modernos tratamentos, as pessoas com síndrome de Down costumam ter uma vida ativa e atingir as mesmas faixas etárias do restante da população.
Também houveram avanços significativos no campo da estimulação cognitiva. Já não é mais nenhuma novidade que pessoas com síndrome de Down alcancem, por exemplo, graduação universitária.
Assim, frases que faziam sentido no passado, hoje não mais se justificam. Não faz sentido se falar em “filho eterno”, como se a criança com síndrome de Down estivesse fadada a ser eternamente dependente de seus pais. Com a correta estimulação, não há limites, apenas barreiras para serem superadas.
Os filhos, para os pais, são eternos, apenas no sentido de que o amor é infinito, eterno e inquebrantável. Apenas em tal sentido é que faz sentido a expressão “filho eterno”, mas não como uma exclusividade do filho com síndrome de Down. A eternidade do amor é uma característica natural da relação entre pais e filhos.
Outra expressão que não faz sentido é a de que “apenas pais especiais recebem crianças especiais”. A frase não passa de uma tentativa – ainda que impregnada de boas intenções – de consolar os pais de uma criança com síndrome de Down. Em geral, os pais de crianças especiais são tão comuns como quaisquer outros pais. São pessoas que, em princípio, estão dispostas a sacrifícios por seus filhos. Nada de diferente da generalidade dos pais. Se os desafios são maiores, os sacrifícios e empenho também, mas não por qualquer condição especial dos pais.
Frases como a que utilizamos como exemplo no artigo são frutos de uma visão distorcida da realidade, fruto de uma época em que as perspectivas das pessoas com síndrome de Down eram muito limitadas. Eles, principalmente por causa dos problemas cardíacos, costumavam falecer muito cedo, boa parte ainda nos primeiros meses de vida. Hoje, as deficiências cardíacas são cirurgicamente corrigidas ainda no ventre materno, se for preciso. A expectativa de vida, dos que sobreviviam aos primeiros meses era em torno de 18 anos. Hoje, a expectativa é a mesma da população em geral.
Hoje, definitivamente, e cada vez mais, as condições de vida de uma pessoa com síndrome de Down são equivalentes a de qualquer outra pessoa. Assim, sem nenhuma dúvida e com experiência própria, os pais de crianças com síndrome de Down não precisam ser consolados. São pais normais, de filhos normais, ainda que com necessidades especiais. Precisam de apoio, de ajuda, mas não de qualquer espécie de consolo.
Su Florentino
Fonte: Saber Melhor
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