Deficiência em si não coloca a criança no grupo de risco, mas a infecção pode se agravar devido a problemas pré-existentes como doenças respiratórias
Por Eduardo Silva para o 32xsp.org
Moradoras do Jaraguá, Vilma e Júlia tiveram mudanças na rotina desde o início da pandemia (Arquivo pessoal)
Mas após o início da pandemia do novo coronavírus (covid-19), ela passou a fazer atividades e brincadeiras apenas no apartamento onde mora com a mãe e a irmã mais velha, no distrito do Jaraguá, na zona oeste de São Paulo.
“Desde que foi decretado o término das aulas, a Júlia não saiu mais de casa. Eu tentei criar uma nova rotina para que ela não fique ociosa o dia inteiro ou, então, só mexendo no celular”, conta a mãe Vilma Simão da Costa, 49, que é professora de educação infantil.
De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), uma pessoa não é mais vulnerável à covid-19 apenas por ter uma deficiência. Contudo, ela pode ser enquadrar no grupo de risco caso apresente quadros de restrições respiratórias, condições autoimunes ou doenças neurológicas, do coração, pulmão ou rim.
Pessoas com a síndrome de Down podem ter uma incidência maior de disfunções da imunidade, cardiopatias congênitas e doenças respiratórias. Portanto, devem ser consideradas do grupo de risco.
Como precaução, na casa da Júlia, os cuidados foram redobrados desde o início do isolamento social. “A questão da imunidade sempre foi uma preocupação. Eu sabia que a Júlia fazia parte do grupo de risco, então isso me fez ficar mais em casa e ter mais prevenção desde o início. Automaticamente, toda família também teve”, conta Vilma.
“A gente não está indo para a casa de ninguém, nem ninguém está vindo aqui. Mas estamos matando a saudade e tendo contato com a família pelo celular e pelas redes sociais: ligando, fazendo vídeo-chamadas e postando fotos nos status. É dessa forma que a gente tá mantendo esse vínculo”A mudança na rotina também interrompeu os atendimentos de estimulação e habilitação que a garota tinha uma vez por semana no Instituto Jô Clemente (antiga APAE de São Paulo), na Freguesia do Ó, na zona norte. Por ficar em um posto de saúde com circulação de outros pacientes, o local apresentava um risco maior de contaminação da covid-19.
Vilma Simão da Costa, professora de educação infantil e mãe da Júlia
Enquanto isso, na pausa entre os estudos em casa e as aulas online de balé, mãe e filha se reúnem todos os dias para fazer atividades juntas durante uma hora. “Nós já fizemos bolo, escultura com gesso, barraca, pintura no banheiro… Acho que ela se adaptou muito bem a essa nova rotina”, relata a mãe.
Com as brincadeiras, Vilma também busca orientar a filha sobre os cuidados com a higienização para se proteger do coronavírus. Um dos resultados foi o vídeo abaixo em que Júlia ensina como lavar corretamente as mãos.
“Desde que a pandemia começou, eu me preocupei em conversar com a Júlia e contar historinhas. Recebi um livro online sobre o coronavírus e os cuidados de higiene, aí fui aos poucos conversando com ela, para que ela entendesse [a situação] de uma forma mais lúdica e natural”, completa a professora.
Cuidados redobrados
Gisele foi até Pinheiros, na zona oeste, buscar um medicamento para Stela (Arquivo pessoal)
O percurso, que dura cerca de 3 horas, considerando ida e volta, dessa vez foi feito com medidas extras de proteção, como uso de máscara e álcool em gel para higienização das mãos.
“Sempre ando com álcool em gel na bolsa. Quando volto, as coisas ficam do lado de fora e vou direto para o banho”, conta Gisele, que deixa a filha em casa aos cuidados da avó quando precisa sair. “Aqui eu sou a ‘faz tudo’, então quando saio para alguma emergência, aproveito para passar no mercado ou comprar materiais para fazer meus produtos artesanais.”
Stela tem problemas respiratórios, por conta disso, desde o último mês, Gisele também passou a ter cuidados redobrados dentro de casa.
“Os cuidados são constantes, como lavar as mãos várias vezes ao dia. Quando passo pano no chão, uso cândida também. Antes eu só passava um desinfetante comum”Também moradora do Itaim Paulista, a autônoma Juliana Freitas, 36, é mãe da Maria Eduarda, 7, que tem o Transtorno do Espectro Autista (TEA). A rotina das duas, que envolvia idas à escola e às sessões de terapia, também precisou ser interrompida por causa da pandemia.
Gisele Soares, artesã e mãe da Stela
Juliana Freitas diz que a terapia da filha Maria Eduarda foi interrompida por causa da pandemia (Arquivo pessoal)
“Minha filha começou a se adaptar com a escola e as atividades escolares a partir do fim do ano passado e o retorno neste ano. Só que agora a pandemia quebrou a rotina. Quando as aulas retornarem, acredito que vai demorar um pouco pra ela voltar ao ritmo de antes”, comenta Juliana.
“Pensando que as crianças levam as mãos a boca com mais frequência, seja por estereotipias (movimentos repetitivos) ou não, o adulto é quem se torna o maior cuidador da higiene desta criança e de seus próprios cuidados”, diz.
O mesmo vale para os cuidados em áreas externas. “Ao ir ao mercado ou a uma área externa, e tocar em algo que possa ter sido contaminado, você pode trazer o vírus para dentro de casa ou gerar um risco à criança ao tocá-la sem ter tido todos os cuidados necessários de higiene”, relata Vanessa.
Sabendo disso, na casa da Juliana e da Maria Eduarda, elas tomam todo o cuidado possível. “Quando eu preciso sair e volto pra casa, minha filha quer me abraçar, mas eu peço pra ela esperar um pouco. O álcool em gel fica na entrada da sala, então eu sempre uso e deixo toda a roupa suja no banheiro”, conta.
O período de quarentena também pode deixar as crianças com TEA mais irritadas ou ansiosas.
“A Duda tem muita energia, mas agora ela está mais cansada porque não pode sair pra rua, e não tem nenhum lugar pra brincar… Ela não está agitada, gritando ou chorando. Mas, como qualquer pessoa, acaba ficando meio estressada”Vanessa Gibelli explica que a quebra significativa da rotina e a ausência das terapias presenciais podem gerar uma maior desregulação das questões sensoriais da criança com TEA. “Isso tem reflexos sobre como a criança vai reagir”, diz.
Juliana Freitas, autônoma e mãe da Maria Eduarda
“Se ela é verbal, pode se mostrar mais irritada verbalmente ou chorosa. Se ela é não-verbal, pode apresentar algum tipo de agressividade, com comportamentos autolesivos (se bater ou se morder) ou heterolesivos (bater em coisas ou em outras pessoas)”, explica.
Vanessa Gibelli é terapeuta ocupacional e trabalha com crianças com deficiência (Arquivo pessoal)
A terapeuta também alerta que a ansiedade também pode afetar os adultos: “É inevitável que o nível de ansiedade mexa com todos, inclusive com os pais – que, por sua vez, vão, de alguma forma, refletir no comportamento da criança”.
Para isso, ela orienta que, além de adotar uma rotina dentro de casa, também é importante que o cuidador faça atividades que tragam sensações de bem-estar. “Seja uma terapia, uma dança, pintura, filme… Independentemente do que seja a forma de relaxamento, é necessário fazer algo que lhe faça bem para, assim, estar bem para o outro”, finaliza.