A ideia de fazer o acolhimento virtual foi da jornalista Andréa Werner,de São Paulo, ativista e autora do blog Lagarta vira Pupa e de sua amiga, também ativista, Lau Patrón. "Tínhamos um plano de podcast, mas adiamos por conta da pandemia. Resolvemos mudar para as lives na quarentena pois a saúde mental das mães atípicas requer maiores cuidados, ainda mais nesta situação de maior carga, muitas são sozinhas. A gente quer arejar a cabeça", fala.
Andréa é mãe de Theo, de 11 anos, autista moderado não-verbal e que precisa bastante suporte para fazer atividades rotineiras. Em dias comuns, ele vai para a escola de manhã e à tarde faz todo dia muitas terapias, como ABA (intervenção específica para autistas), fonoaudióloga, terapia com animais e sessões de psicologia para comunicação alternativa. Segundo a mãe, Theo adora a agenda cheia e o fim de semana sempre foi um sofrimento para ele, agora é como se fosse um eterno fim de semana. "Ele se comunica através de um aplicativo e fica pedindo para ir para a escola. Não gosta de ficar em casa, quer sair e ver gente. Fiquei bem angustiada no início com isso. Ele tem interesses restritos, não gosta de brinquedos, por exemplo. As coisas que ele mais ama, que são dar uma volta e ir à piscina, não está podendo fazer. Fora que preciso ficar o tempo todo de olho nele, pois uma criança atípica que requer mais atenção", explica Andréa, que precisa se virar para entreter o filho o dia todo dentro do apartamento. A compra online de um barraca de camping e de uma piscina de plástico, por enquanto, estão funcionando para que Theo consiga passar melhor o tempo.
A mineira Aiko Mine está preocupada com a pausa nos tratamentos da filha Beatriz, que é autista Imagem: Acervo Pessoal
A mineira Aiko Mine, está passando por um momento delicado também. Ela é mãe da Beatriz, de 3 anos, autista e que também não fala. Uma das maiores questões para a revisora, além da ausência das terapias da filha, é organizar seu home office. Ela e o marido sempre trabalharam em casa. Sendo assim, o horário em que a filha estava na escola, era para focar nos compromissos profissionais. "Agora montamos um escritório em um quarto, colocamos nossos computadores com os brinquedos dela no meio. Assim, podemos ficar de olho enquanto ela brinca, mas temos muitas interrupções e não está sendo fácil produzir", diz. Aiko conta também que Bia é bem agitada e mesmo tendo uma área no apartamento com cama elástica e espaço para curtir, a "bateria" da menina demora para acabar.
A inquietação também é por conta da paralisação do tratamento com psicóloga e fonoaudióloga, sem previsão para retomada. "A gente iria começar a aplicar o PECS, um método de comunicação alternativa importante neste momento, e não pudemos pois o processo teria a interrupção da quarentena", conta.
Home care adaptado
A gaúcha Susana aumentou as regras de segurança nos serviço de home care do filho Vitor, doença rara chamada Jeune Imagem: Arquivo pessoal
Vitor, de 9 anos, tem uma doença rara chamada Jeune, que afeta o crescimento dos ossos. Desde o nascimento até os dois anos e cinco meses anos de idade ficou hospitalizado devido a problemas com a formação do pulmão e consequente dificuldade de respirar. Ele usa um aparelho de ventilação mecânica o tempo todo e precisa de home care 24 horas. "O aparelho respirador fica conectado no pulmão dele o dia todo e a traqueostomia precisa ser aspirada várias vezes ao dia, através de uma sucção, e precisa ser um profissional para fazer isso, não posso pegar essa responsabilidade sozinha para mim, é perigoso, pode custar a vida do meu filho", diz a mãe Suzana Morgado, 43 anos, moradora de Porto Alegre.Suzana e Vitor contam com uma equipe de quatro enfermeiros que se revezam para cuidados do dia a dia e com o respirador. Além disso, há visitas duas vezes ao dia da fisioterapeuta para exercícios respiratórios. Neste período, o que conseguiu cortar foram as consultas semanais com a médica que acompanha o tratamento do Vitor, a nutricionista e a fisioterapeuta. Outra mudança foi com as regras de segurança. Antes nenhum profissional precisava usar luvas ou máscara, somente se Vitor estivesse com alguma infecção, por exemplo. Agora, precisam colocar e trocar de roupa assim que chegam. Com relação à rotina, pouco se transformou. O filho de Suzana geralmente fica em casa, não vai à escola, nem ao parquinho, por conta do aparelho que usa. "Fico o tempo todo com ele e só saio de casa uma vez por semana para ir ao mercado ou à farmácia. As pessoas reclamam da quarentena mas a gente vive isso há anos".
Rotina de estimulação em casa
Quando professora Janaína Machado, de 33 anos, de Itararé, no interior de São Paulo, adotou Maria, de 5 anos, sabia que teria uma longa jornada de desafios e tratamento intenso. A filha tem paralisia cerebral e faz um tratamento multidisciplinar na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), além de ir à escola no período da tarde. Para contornar a quarentena, Janaína planejou uma rotina de estímulos diários para a filha, exercícios fisioterapia, fonoaudiologia e alguma atividade pedagógica mais lúdica.
Janaina recebeu de uma fonoaudióloga orientações por whatsapp de como seguir com alguns tratamentos da filha, Maria, que tem paralisia cerebral Imagem: Arquivo Pessoal
Janaína fez uma lista diária das atividades que busca cumprir se falta. A mãe precisa ficar atenta aos exercícios de fonoaudiologia pois a filha tem disfagia, dificuldade de engolir. Para contornar o problema, recebeu da profissional que acompanha Maria orientações pelo whastApp para fazer os exercícios. "Me preocupo bastante com a Maria ficar sem os atendimentos técnicos e médicos, pois são em outra cidade e não podemos viajar neste momento. Tento fazer o que posso, estou cansada, está bem puxado para mim e para meu marido, que também está em casa", falar Janaína.
Condições alteradas, cobranças menores
Além da APAE onde Maria é atendida, outras instituições estão fechadas por tempo indeterminado. É o caso da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) que está fechada desde que a quarentena foi decretada. Na associação, como parte do tratamento, os pais já recebem no dia a dia lições de casa para incentivar as crianças e há um planejamento para isso continue neste período de reclusão."Disponibilizar diversos vídeos com os nossos profissionais aos pacientes e público em geral no nosso canal no YouTube. São orientações da equipe médica, de terapeutas, psicólogos e enfermeiros, para que os pais saibam como proceder nesse período", fala a médica Alice Rosa Ramos, superintendente de Práticas Assistenciais da AACD.A ativista Andrea Werner que tem um canal de acolhimento materno, o Casulo ressalta para que se faça o possível, sem cobranças e não que isso vire um peso nas costas das mães atípicas, já sobrecarregadas. "Muitas são solas, pois há uma grande margem de abandono paterno de crianças com deficiência. Não dá para cobrar que sejamos super mães, psicólogas ou pedagogas profissionais, nem em condições normais, agora muito menos", fala Andréa Werner.
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