Falta de acessibilidade e orientação presencial dos professores têm tornado a experiência da educação à distância cada vez mais exaustiva
Nayama Borges mora em Estácio, bairro localizado na Zona Central do Rio de Janeiro e é mãe de Yanna, de 4 anos, diagnosticada com surdez e hidrocefalia. Nayama está desempregada e, por mais que passe o dia em casa, conta que a rotina tem sido bastante cansativa, já que precisa conciliar as tarefas domésticas com as da filha. "Eu tento juntar as duas coisas, dando uma função para as atividades diárias, como comer, tomar banho e assistir televisão. Pego as frutas e vou explicando para ela, pergunto qual ela quer comer, coisas assim", diz.
"A escola está sempre em contato com a gente, nos passando atividades, mas não é a mesma coisa", conta a mulher. "Eu, como mãe, posso passar o que eu sei, mas tem coisas que eu também não consigo lidar, eu não sou formada nisso", relata. A carioca diz que, além de sentir um atraso no desenvolvimento escolar da filha, o fator da distração também se faz presente no dia a dia delas, o que torna a execução dos exercícios ainda mais complicada. "Colocar uma criança com deficiência focada em algo é muito difícil", desabafa.
De acordo com a psicanalista, psicopedagoga, neuropsicopedagoga e especialista em educação inclusiva (PDI), Cristina Silveira, o ensino remoto exige um esforço atencional enorme de todos os alunos, não sendo diferente com os que têm deficiência. Segundo a especialista, em casos mais complexos, esse recurso pode se tornar inviável sem um acompanhamento in loco, para a adaptação e adequação curriculares.
E essa foi a situação enfrentada por Kelli Steinheusen, assessora de eventos e mãe de Isabela, de 3 anos, diagnosticada com paralisia cerebral. De acordo com a paranaense, as aulas remotas acabaram se tornando uma crise para a filha, que não conseguia entender o que estava acontecendo e não se sentia confortável com a situação. "Tentei colocar duas vezes os conteúdos enviados pela escola para ela assistir, mas ela não conseguiu identificar que a professora estava atrás de uma tela. Ela queria ter contato com a pedagoga, e isso causou muita irritação nela", conta. Kelli diz que, depois de algumas tentativas, parou de insistir: "Não dava certo e ela ficava bem incomodada. Tranquei a matrícula dela na escola por conta disso", relata.
Interação social
A falta de contato com o professor e com os colegas é outra queixa dos pais de crianças com deficiência. Juliana Amorina é fonoaudióloga e mãe do João, de 3 anos, diagnosticado com microcefalia e paralisia cerebral. Juliana conta que, no caso de João, a escola onde ele estuda, em Osasco (SP), enviou algumas cartilhas dedicadas à inclusão, para que os pais pudessem realizar as tarefas em casa com os filhos.
Apesar do envio dessas atividades, a fonoaudióloga desabafa que, além do acompanhamento do professor na realização das atividades, o contato com as outras crianças também faz muita falta na rotina de João. "Meu filho não tem irmãos, e a gente não tem convívio com nenhuma outra criança. Isso é bem importante para ele em termos de desenvolvimento, e a escola entraria nessa parte", afirma.
Segundo a psicanalista, a convivência social foi e ainda é o objetivo da inclusão escolar em muitas instituições. "Ainda lutamos pela inclusão pedagógica. Por isso, a importância da convivência social é extrema", enfatiza a profissional. "Muitas das crianças com deficiências, principalmente as autistas e aquelas com síndrome de Down aprendem por imitação. Num ambiente em que há convivência com crianças atípicas, os benefícios são enormes", acrescenta.
Cristina aponta que é indiscutível o fato das relações sociais serem essenciais para o desenvolvimento das crianças, de maneira geral, principalmente das que possuem alguma deficiência. "Habilidades sociais como empatia, assertividade, desenvoltura social, dentre outras, têm se desenvolvido aceleradamente no meio escolar inclusivo", destaca.
Retorno das aulas presenciais
Apesar da pandemia ter trazido mudanças inesperadas e não tão positivas, Kelli conta que a situação fez com que ela conseguisse passar ainda mais tempo com Isabela. "Mesmo ela estando em casa e ficando um tempo sem terapia, pudemos estimular outras coisas, nos dedicar mais a ela e ter mais contato. Hoje, conseguimos viver momentos que antes não tínhamos", afirma a assessora.
A especialista em educação inclusiva alerta para a continuidade das terapias dentro de casa. De acordo com Cristina, a pausa nos tratamentos terapêuticos pode causar a não evolução e até mesmo a regressão no desenvolvimento já alcançado ao longo dos anos. "Regressões como enurese noturna, diminuição da fala, ansiedade, falta de apetite, agressividade, perda de sono, dentre outras", aponta Silveira.
E esse é justamente o problema enfrentado por Nayama com a filha. Para ela, o ponto positivo de Yanna estar em casa é apenas pelo fato dela não ser exposta ao vírus. "Eu prefiro mil vezes que a minha filha esteja na escola, porque sei que lá ela está sendo cuidada e orientada por profissionais", relata a carioca.
Mesmo com as dificuldades enfrentadas dentro de casa, as mães Nayama, Juliana e Kelli disseram que não levariam os filhos para a escola caso as aulas voltassem a ser presenciais, devido ao risco de contaminação. A paulista Juliana, por exemplo, prioriza a saúde de João, considerando que ele pode ser mais vulnerável ao coronavírus. "Ele é uma criança que tem bronquite, então ele é mais sensível nas questões que envolvem o sistema respiratório. Além disso, por ele não andar e usar cadeira de rodas, qualquer infecção no pulmão acaba sendo mais dura para ele. Eu não voltaria até ter uma vacina ou uma situação mais controlada", conclui a fonoaudióloga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário