Em conversa com o Porvir, a empreendedora e jornalista Claudia Werneck fala sobre os desafios do ensino inclusivo; ela participa do evento “Educação e Protagonismo”, da Fundação Educar, que começa nesta terça-feira e tem inscrições gratuitas
por Ana Luísa D'Maschio para o porvir.orgente
O decreto que altera a política pública de ensino para crianças com deficiência, ao propor a separação dos alunos em salas e escolas especializadas, tem sido alvo de críticas de especialistas e estudiosos em educação inclusiva. Entre eles, está Claudia Werneck. Fundadora da Escola de Gente – Comunicação em Inclusão, a empreendedora e ativista em direitos humanos ressalta o caráter “segregador e excludente” dessa política.
Claudia é uma das convidadas do evento “Educação e Protagonismo”, promovido pela Fundação Educar. Nesta 16ª edição, que é realizada entre os dias 14 e 15 de setembro, com transmissão online e inscrições gratuitas, além das reflexões sobre inclusão e diversidade nas escolas, o encontro inclui temas como saúde mental e educação híbrida. Fazem parte do rol de palestrantes o educador colombiano Bernardo Toro e a atleta Rebeca Andrade, primeira medalhista olímpica de ouro da ginástica artística brasileira. Toda a programação é acessível, com intérprete de libras, audiodescrição e legenda simultânea.
O Porvir conversou com Claudia Werneck sobre os desafios da educação inclusiva nos períodos pré e pós-pandemia. Confira:
Porvir – O direito à educação inclusiva é garantido tanto pela Constituição Brasileira quanto pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU (Organização das Nações Unidas). Esse direito foi mantido durante a pandemia?
Claudia Werneck – Não. Na verdade, ele foi ainda mais precarizado. O trabalho na Escola de Gente e em outras organizações aumentou muito neste período, porque nós sabemos que esse é um direito de qualquer criança, mas um direito indisponível.
Porvir – Quais foram as maiores dificuldades enfrentadas pelos estudantes com deficiência e suas famílias durante a pandemia? Como a senhora avalia o papel da família na mediação desse processo de educação remota que ainda vivemos?
Claudia Werneck – É muito difícil analisar o tamanho da complexidade que as famílias, incluindo as crianças, viveram para garantir o direito à educação na pandemia. A educação deve ser inclusiva, mas nós sabemos que isso não aconteceu. A ONU [Organização das Nações Unidas] diz que mais de 80% das crianças com deficiência vivem na pobreza e, durante a pandemia, mal contaram com equipamento tecnológico, ou tinham celulares pouco potentes, sem wi-fi. A mistura da baixa conectividade com a falta de acessibilidade nos projetos educacionais que conseguiram ser mantidos tornou a vida de estudantes com deficiência a mais difícil possível, e suas famílias tiveram muita dificuldade para colaborar. É algo complexo e que nós não conseguimos, por mais que queiramos, atingir a magnitude do isolamento educacional, social, enfrentado por essas famílias com suas crianças.
Porvir – Qual é o primeiro passo para tornar a comunicação mais inclusiva dentro da escola e na sociedade? É algo que depende mais de uma postura individual ou está associado a políticas?
Claudia Werneck – A comunicação inclusiva é aquela que por natureza é acessível. Ela deve ser acessível cotidianamente, na sala de aula, no recreio, nas excursões, no online e no digital, na forma como essa escola se comunica com a família… Se a família é analfabeta e a escola só se comunica por textos escritos, por exemplo, isso faz com que a escola não se torne inclusiva. Não há educação inclusiva sem comunicação inclusiva – e não há comunicação inclusiva sem comunicação acessível. Tudo depende de política pública, de investimento para acessibilidade e investimento para a inclusão. Mas, ainda assim, é preciso que as pessoas acreditem que a comunicação acessível é algo que garante a participação de todas as pessoas, independentemente das suas funções na escola, e em qualquer processo.
Porvir – Qual é o papel da escola e dos professores nesse processo?
Claudia Werneck – A profissão do professor e da professora é a mais decisiva na vida de uma pessoa. É quem nos alfabetiza, quem dá a medida da autoestima social de uma criança muito mais do que simplesmente acompanhar o processo de alfabetização. O professor e a professora são decisivos, mas eles não podem arcar com todos os compromissos isoladamente. Eles estão dentro de um sistema e todo esse sistema tem de vibrar na lógica, no orçamento, na postura e na prática da inclusão cotidianamente.
Porvir – Até onde a tecnologia foi suficiente para manutenção do vínculo com a escola e de uma rotina de aprendizagem e desenvolvimento?
Claudia Werneck – As tecnologias têm uma ética própria e raramente essa ética é inclusiva, porque as tecnologias não são acessíveis no sentido de garantir a liberdade de expressão e o direito de se comunicar, e de ser comunicado, para todas as pessoas, principalmente àquelas que têm deficiência. Acho que a tecnologia contribuiu, foi até a salvação para muitas pessoas, mas ela foi a salvação para um mesmo grupo homogêneo de pessoas. Quem estava excluído ficou ainda mais excluído com uma tecnologia que sempre se preocupou em manter as mesmas pessoas.
Porvir – Especialistas temem que a nova política de educação especial possa gerar segregação. Qual é a sua opinião a respeito?
Claudia Werneck – O que se pretende que seja uma nova política de educação especial é eminentemente segregadora e excludente, incompatível com qualquer projeto de inclusão. A Constituição garante que não se pode escolher crianças quando falamos sobre direito à educação. A Constituição não permite isso e eu sou uma pessoa que segue a Constituição.
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