Os professores dessa etapa têm um papel essencial na luta por um ensino inclusivo que valorize as potencialidades de todas as crianças. Confira algumas sugestões de práticas e ações efetivas
Por Paula Sestari para o novaescola.org.br
Escolas, famílias e a sociedade no geral têm, cada vez mais, lutado contra os retrocessos no que diz respeito à Educação inclusiva. Nessa perspectiva, quando uma criança chega a uma instituição de Educação Infantil e amplia seu convívio social, geralmente o professor é o primeiro a identificar eventuais questões, como algum atraso no desenvolvimento da forma como a criança interage, se movimenta e se relaciona com o mundo.
Trata-se de indicativos iniciais de que serão necessárias algumas mobilizações, e o nosso papel, então, é primeiramente compartilhar essas observações com os familiares, sem, porém, fazer apontamentos ou juízo das possíveis causas. Essa conversa, posteriormente, pode levar à solicitação do apoio de outros profissionais, e a um acompanhamento mais específico. Aí então, se inicia um processo que quanto mais ágil, melhor: a criança receberá um tratamento de acordo com suas necessidades, e em paralelo, dará continuidade às suas atividades escolares.
Tendo esse cenário em mente, é importante relembrarmos que a nossa função, na escola da infância, é garantir os direitos de aprendizagem para todas as crianças, organizando contextos educativos significativos para que meninos e meninas aprendam por meio das interações e brincadeiras de qualidade. Por isso, na coluna de hoje, quero compartilhar alguns pontos importantes para pensarmos no planejamento de trabalho com as crianças quando, entre elas, temos alguma com deficiência, com ou sem laudo médico definido.
- Diálogo aberto com as famílias
É importante ter em mente que pais e responsáveis passam por três etapas de amadurecimento. Primeiro vem a negação, momento em que tendem a questionar a conduta da escola ao identificar as questões ligadas a possíveis deficiências, alegando padrões muito rígidos, ou mesmo mencionando rótulos socialmente construídos em torno dessas deficiências que os deixam apavorados.
Depois disso, vem a fase de adaptação, em que a rotina em casa precisa ser adequada para o bem-estar da criança, como a forma de lidar com crises, cardápio, organização do espaço, rotina com terapias e consultas e até a inserção de medicamentos. Por fim, na fase de aceitação, vem o encontro mais realista com a deficiência, a busca por mais informações, a troca de experiências com as pessoas que convivem com a criança, e a tendência em ampliar um comportamento superprotetor, algo que inclusive os pais esperam de nós.
Por isso, é importante que eles entendam qual o papel da escola. Certa vez, uma mãe trouxe o relato de algumas atividades da terapia particular com uma pedagoga e falou: “mas aqui no público vocês não fazem, né?”. Então respondi elencando a variedade de vivências que são propostas na escola, ampliando a socialização, a convivência, as interações, tudo com uma diversidade de elementos e recursos. Ali, a mãe entendeu que nossa abordagem é globalizada e que as terapias cumprem o papel das especificidades, ambas se complementando.
- Acessibilidade e adequação
A inclusão começa nas ações e na postura da equipe da instituição. A escola deve oferecer condições de acessibilidade para todos, e o acesso a espaços e materiais deve promover a ação independente de todas as crianças, de acordo com a faixa etária. Inclusive, em relação aos materiais, é importante adequá-los ainda na fase de organização, levando em consideração como a criança participou nas vivências anteriores ou nos conhecimentos que você já possui sobre ela, de modo a eliminar as barreiras que comprometam seu protagonismo e independência.
Além disso, é válido manter-se por perto e se mostrar disponível caso solicite ajuda, mas jamais faça por ela ou diminua suas conquistas colocando em comparação com o que as demais realizaram – e utilize-se das observações desses momentos para fazer novas adequações.
- Altas expectativas para todas as crianças
Nas vivências que for desenvolver, mantenha altas as expectativas para todas as crianças. O fato de simplificar, facilitar ou mesmo a condução direta faz com que a criança com deficiência perca boas oportunidades de superação, colocando-a numa posição de favorecimento negativo e de inferioridade em relação às demais.
Nessa linha, promova situações diferenciadas contemplando os campos de experiência e as múltiplas linguagens. Como sabemos, os campos de experiência se inter-relacionam, sendo colocados em evidência a cada momento de acordo com a intencionalidade do professor. Isso favorece para que possamos identificar os interesses e necessidades de cada uma das crianças, consolidando práticas de qualidade que envolvam todos os pequenos.
- Mediação afetiva e diálogo em prol da diversidade
Dedique-se a conhecer e reconhecer a criança para além da deficiência, por exemplo, entendendo sobre sua rotina, brinquedos e brincadeiras favoritas, o que a deixa feliz e a deixa triste, preferências, enfim, é importante esse interesse pela criança de maneira global. Algumas deficiências tendem a fazer com que o pequeno tenha iniciativas mais individualizadas, e é a mediação afetiva do professor que vai olhar para tais questões, de modo a apoiar a criança na ampliação de seu repertório e a arriscar-se em novas possibilidades.
É essencial também que o educador, a partir dessas demandas, busque construir um espaço solidário e acolhedor, já que dessa forma as demais crianças tendem a incorporar esses movimentos. Esteja sempre disponível para o diálogo com os outros pequenos da turma quando as dúvidas surgirem, de modo a compreenderem a deficiência e, mais do que isso, fazendo-os valorizar a diversidade cada vez mais. Trata-se de uma oportunidade muito rica para o educador integrar, acolher, diversificar os arranjos, e propor situações para a multiplicidade de interações, visando consolidar a inclusão e a participação de todos no cotidiano da escola.
- Pontos de atenção no planejamento e no registro
Organize no seu planejamento, estratégias para a convivência com o monitor/ professor auxiliar, pois esse profissional pode apoiá-lo na adequação de materiais, na forma como esta criança interage com seus pares e recursos disponíveis, e ajudar na locomoção, higiene e alimentação se necessário.
Além disso, invista no registro sistemático e organizado, já que dele pode resultar a criação de indicativos de como ampliar as oportunidades de vivências e boas experiências para toda a turma. Por fim, ao dividir os registros avaliativos com as famílias, dedique-se a compartilhar os avanços da criança com deficiência, as situações desafiadoras que foram exitosas, e as potencialidades para o futuro.
Para além dessas dicas, ressalto que nós educadores devemos sempre eliminar os termos capacitistas, seletivos e limitadores. Por vezes ouvimos coisas como: "eu tenho dez crianças e um PcD”, “todos se envolveram, menos a criança autista”. São colocações que denotam uma diferenciação entre as crianças exclusivamente por conta da deficiência, algo que segrega e tem consequências na interação entre elas.
Dessa forma, caros professores e professoras, não podemos perder de vista que os desafios com relação à inclusão só são devidamente superados por meio de práticas que reforcem a nossa concepção de toda criança como um ser capaz e potente em suas individualidades.
Paula Sestari é professora de Educação Infantil da rede municipal de ensino de Joinville (SC), com 10 anos de experiência nessa etapa, e mestre em Ensino de Ciências, Matemática e Tecnologias. Em 2014, recebeu o Prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita, e foi eleita Educadora do Ano com um projeto na área de Educação Ambiental com a faixa etária das crianças pequenas.
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