sexta-feira, 4 de março de 2022

Deficiência visual cortical: a criança parece não ver, mesmo com olhos saudáveis

Ver é complexo. É preciso ter isso em mente e fugir da ideia de que simplesmente vemos com os olhos. Isso prejudica a compreensão de muitos profissionais de saúde, pais e professores sobre a deficiência visual de causas não oculares, conhecida como deficiência visual cortical (DVC).

Por Maria Amélia Franco para o visaonainfancia.com

criança com deficiência visual cortical não fixa olhar, nem se interessa por estímulos

Tenha em conta que existe ainda um espectro maior de ocorrências em outras áreas do cérebro, por isso hoje já se fala do termo deficiência visual cerebral, ou deficiência visual neurológica. Há desordens visuais associadas a danos além do córtex visual, incluindo áreas associativas do córtex, estruturas subcorticais e vias que compõe a substância branca do cérebro / Jenny Erickson :: FreeImage

Atenção

Os reflexos de fixação e os movimentos de perseguição, em sentido horizontal, vertical ou circular, se desenvolvem a partir do segundo mês. Com três meses, os bebês são atraídos por objetos brilhantes, em cores vibrantes ou que gerem forte contraste, e pessoas até 20-25 cm de distância.

Por trás da ausência de fixação e de interesse do bebê pelos estímulos podem haver diversos diagnósticos que precisam ser investigados.

Eu aprendi que a criança enxerga com o cérebro através dos seus olhos. Por isso, para ver bem ela depende que estejam preservadas as estruturas oculares, as vias visuais e diversas regiões cerebrais que processam as informações. Porém, tradicionalmente, muito da compreensão sobre a deficiência visual tem sido focada nas consequências de doenças e condições que afetam o olho ou o nervo óptico (como cataratas, glaucoma, retinopatias).

É também importante, claro! Contanto que não seja ignorada a possibilidade de um diagnóstico precoce de deficiência visual cortical e de que é possível intervir.

Embora este texto elucide muitas coisas para você, talvez seja difícil neste imenso Brasil encontrar profissionais que possam ajudar, entre médicos, terapeutas e educadores. O conhecimento a respeito é ainda limitado, mas pode ser adquirido! E falaremos muito sobre isso aqui no blog.

Como diagnosticar a deficiência visual cortical?

Em um webcast para a Perkins School for The Blind, a Dra. Christine Roman, que é autoridade sobre DVC, destaca que infelizmente não existe um protocolo ou recomendação das sociedades médicas para identificar crianças com deficiência visual cortical, como há quanto aos exames oftalmológicos, por exemplo.

No entanto, ela comenta que algumas avaliações preliminares podem ajudar a diagnosticar a DVC:

  • O exame oftalmológico não explica a maneira como o bebê ou a criança vê. Ou seja, mesmo com anatomia ocular normal, ela não olha para o rosto das pessoas e não se interessa por objetos e brinquedos dentro do seu campo visual.
  • Houve algum grande evento neurológico no desenvolvimento do bebê ou após o nascimento.  As ocorrências mais comuns associadas à DVC são a encefalopatia hipóxico-isquêmica por falta de fluxo sanguíneo cerebral e liberação de oxigênio em recém-nascidos prematuros e a termo, o traumatismo craniano e as infecções do sistema nervoso central, como meningite e encefalite.
  • A criança apresenta estes dez comportamentos característicos da DVC listados abaixo.

10 comportamentos típicos avaliados na deficiência visual cortical

  1. Preferência por cor – crianças com deficiência visual cortical são geralmente atraídas por coisas que têm cores altamente saturadas. Vermelho e amarelo são as cores mais reportadas. Então, ela pode não se interessar pelo tradicional contraste preto e branco.
  2. Atenção ao movimento – apresentar um objeto em movimento atrai a atenção visual da criança com DVC e aumenta o tempo de observação e interesse pelo mesmo. Assim como o cintilar ou brilho de luzes e itens metálicos que dão a sensação de movimento.
  3. Demora para responder ou reagir a um estímulo (latência) – ao mostrar algo à criança com DVC, ela não olha imediatamente, só um tempo após se vira e olha.
  4. Aversão à complexidade – espaços com distrações e poluição visual tornam quase impossível para a criança com DVC perceber e processar os estímulos. Ao apresentar um só objeto por vez, sobre um fundo negro contrastante, sem informações sensoriais concorrentes (pessoas falando, música, brinquedos com som), é possível que ela se concentre em vê-lo.
  5. Alteração no campo visual – a criança com deficiência visual cerebral pode enxergar apenas em partes do seu campo de visão. É preciso avaliar onde ela percebe o estímulo. Ela pode virar um pouco a cabeça ou notar apenas coisas de um lado, e muito comumente, ter dificuldade em perceber o que está abaixo.
  6. Dificuldade com aquilo que é novo ou não lhe é familiar – é natural prestar atenção para aquilo que é novidade, seja por fugir do padrão, do comum ou pelo estado de alerta ao desconhecido. Contudo, para a criança com DVC é um “ruído” do qual ela quer “fugir”. Então elas respondem melhor a coisas que viram repetidas vezes.
  7. Ausência do reflexo de piscar quanto você a toca na ponte do nariz, ou em resposta à uma ameaça visual, como um objeto indo direto em sua direção.
  8. Dificuldade de visualização à distância – a criança com deficiência visual cortical pode não notar algo do outro lado de uma sala, mesmo com exame de vista OK. Isso porque tudo se “mistura” com o fundo, o cenário ou a paisagem. É difícil perceber cada coisa em separado, o que torna a visualização próxima mais fácil.
  9. Olhar para e buscar a luz – a criança com DVC tem muitas vezes a necessidade de olhar para as luzes e ter mais luz no ambiente. Ela não fecha os olhos defensivamente diante da luz intensa, ao contrário, a encara.
  10. Não integrar visão e ação – a capacidade de olhar um objeto e alcançá-lo como uma única ação não é evidenciada na criança com DVC. Ela olha para um alvo, desvia o olhar, e depois tenta alcançar sem olhar.

Aprender a ver é um processo

Além do reconhecimento da deficiência visual cerebral, que pode se manifestar em diferentes “graus”, outro desafio é aumentar as expectativas dos pais, médicos, terapeutas e professores sobre as possibilidades de aprendizado dessa criança.

Simplificando, compartilho as palavras da Dra. Christine Roman sobre as crianças com DVC: “(antes do diagnóstico) Elas estão realmente em uma espécie de período de privação. Elas não estão recebendo informações de seu mundo visual. E as expectativas das pessoas são baixas em relação a essas crianças, conformando-se que elas simplesmente são assim em decorrência das ocorrências tão graves que acometeram seus cérebros”.

Enfim, para elas, aprender a ver é um processo e há formas específicas de intervenção.

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