Quando Gabriela ouve as batidas do tambor e dos acordes das garrafas levanta a cabeça, bate os pés no chão e começa a acompanhar a melodia como se estivesse cantando. A garota, de 16 anos, com deficiências visual e intelectual é uma das pessoas com múltiplas deficiências atendidas pelo Centro de Apoio e Integração Surdocego e Múltiplo Deficiente (CAIS), uma das únicas entidades na região de Campinas/SP que realiza projetos e atividades voltados às áreas cultural e social com a finalidade de habilitar, reabilitar e realizar a inclusão as pessoas com surdo cegueira e múltipla deficiência sensorial.
A garota participa da oficina ‘Música para Sentir’, uma das atividades ofertadas pela entidade e que é ministrada pelo músico Ricardo Botter Maio, voluntário na instituição há quase uma década. Além da parte terapêutica, a música transmite emoção e dá sensação de prazer às pessoas com múltiplas deficiências. Elas reagem às notas musicais e interagem com os sons pelas vibrações que sentem. “Vejo evolução na maneira de se comunicarem comigo”, admitiu Ricardo.
Inspirado em um dos trabalhos aplicados pela equipe de orientação e mobilidade, Botter Maio escreveu a música ‘O menino que falava com os pássaros’. No arranjo da canção, a parte rítmica é feita pelos sons de apitos que imitam pássaros, que tem participação dos atendidos pelo CAIS, entidade parceira da Fundação FEAC. “Nesta atividade, levamos os atendidos para passeios no Bosque dos Jequitibás, até mesmo os que têm deficiência auditiva. Quando eles apitam sentem a vibração do som. Já os que têm a audição pouco comprometida podem depois ouvir o som dos pássaros que respondem aos silvos dos apitos”, contou a educadora Lilia Gonzaga Cardozo, formada em educação física e especializada em orientação e mobilidade.
Segundo Lilia, os atendimentos realizados pela organização são praticamente individuais. As famílias trazem as dificuldades e o trabalho é realizado de acordo com o que foi relatado. Existem os pré-requisitos, como a maneira deles usarem o corpo, caminharem, sentarem e levantarem. “Minha função é trabalhar a autonomia e isso compõe também a parte de terapia educacional, para ensiná-los a se vestirem, abrirem a mochila, dobrarem as roupas, guardarem os utensílios”, relatou.
As pessoas com surdocegueira apresentam problemas de comunicação e mobilidade, por isso demostram reações de isolamento. Precisam ser estimuladas com base nas habilidades que trazem da convivência com a família. A comunicação, muitas vezes, é feita por meio do sinal de Libras adaptado por intermédio de tato no corpo. Algumas destas pessoas possuem códigos de comunicação com a mãe. Entendem, mas não reproduzem.
Já a mobilidade tem a ver com o equilíbrio. Os profissionais do CAIS utilizam de vivências externas, na praça localizada na frente da instituição, para trabalhar com os atendidos com estímulos para que desçam e subam as rampas de grama e cimento e pisem na areia e em folhas secas. Esta exploração também é feita em praças maiores onde eles podem caminhar entre as árvores. “Isso dá uma sensação de liberdade. As pessoas que não escutam e não enxergam vivem presas dentro de casa”, concluiu a especialista em orientação e mobilidade. O trabalho desenvolvido pelo CAIS ganha destaque quando coloca a família no cerne do atendimento. “Busca introduzi-las nas atividades terapêuticas, assim como insere-se em sua dinâmica diária para que se obtenha um melhor resultado”, ressaltou Natália Valente, assessora social do Departamento de Assistência Social da Fundação FEAC.
Intervenção Precoce
O CAIS destaca-se como serviço essencial para efetivar a inclusão das pessoas com múltiplas deficiências na sociedade e levar conhecimento, visando romper barreiras que possam ser impeditivos para sua efetivação.
No caso deste público, quanto antes for trabalhado por meio de estimulação e reabilitação, melhor. Os dois primeiros anos de desenvolvimento da criança se dá por meio de movimentos repetitivos, exercícios de percepção, controle da motricidade e amadurecimento do córtex cerebral. “Por isso, a criança com múltiplas deficiências deve receber estímulos e incentivos mediados por exercícios com atividades lúdicas e através de um olhar transdisciplinar”, esclareceu a psicóloga da instituição, Paula Ramos Dias. A instituição atende hoje 41 pessoas de diferentes idades, de crianças a adultos.
Além dos atendimentos, desenvolve um trabalho de conscientização e esclarecimento à população sobre a surdocegueira e múltipla deficiência sensorial, principalmente nas redes – públicas e privadas – de ensino de Campinas e Região e em cursos de graduação nas universidades. Oferece ainda curso para profissionais da área de educação e saúde, com 40 horas/aula.
Por Claudia Corbett
Matéria extraída do Razões para Acreditar
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